Baseado numa história real, Superação: O Milagre da Fé (Breakthrough, 2019) fez um enorme sucesso no ano passado nos cinemas brasileiros. Em 2015, John Smith, um adolescente de 14 anos estava na presença de amigos correndo e tirando selfies num rio congelado em Lake St. Louis, até o gelo se partir e os garotos caírem. Dos três, John foi o único a ficar por quinze minutos submerso, e mesmo sendo resgatado rapidamente, o jovem permaneceu quarenta e cinco minutos sem respirar. Após um momento de desespero, sua mãe fez uma oração, o que surpreendeu os médicos, pois naquele momento, John voltou a ter pulso. O caso foi tão impactante que levou a mãe, Joyce Smith a escrever um livro, o qual serviu como base para essa adaptação.
O efeito que Breakthrough teve não foi tão incomum de outros filmes cuja história transita sobre a ótica de um drama religioso, por ser uma temática que espontaneamente o público pode se conectar — afinal, episódios que envolvem fé e desafio causam comoção — mas o longa dirigido pela cineasta Roxann Dawson promoveu o que os outros não conseguiram? Nas palavras de Chrissy Metz, estrela de This is Us (2016 -), que aqui interpretou Joyce Smith, Superação se arrisca com algumas questões para não ser só mais um filme “bonitinho”, mas apesar do esforço, a direção de Dawson não consegue evitar o formato americano de contar relatos religiosos tão emotivos e convenientes que até constrangem.
Essa foi mais uma história real, algo que trouxe cicatrizes e mudanças para quem vivenciou, mas também foi mais uma produção americana que se mostra trabalhar dentro de uma fórmula condicionada ao apelo emocional factício para passar sua mensagem. É fácil ler comentários de que o filme arrancou lágrimas e foi muito bom pelo enredo, mas como a narrativa foi conduzida, não tem nada que já não tenha sido visto antes e isso carrega aspectos que enfraquecem muitíssimo o objetivo do seu roteiro: trilha sonora exageradamente lenta tocada repetidas vezes e exatamente em cenas que poderiam falar por si, atuações de elenco que parece que só foi convocado para fingir o choro, e outros que aparentam ter recebido um pó mágico na cara para soarem otimistas sem demonstrar qualquer vínculo emocional convincente.
E o maior problema do drama religioso é que sua lógica parece funcionar somente dentro da sua bolha, sem externar para elementos mais realistas. Por muito pouco, Superação não se resumiu nessas características. Na verdade, foi graças a Chrissy Metz — o que foi exigência do estúdio para que o projeto saísse do papel — por elevar tão bem o papel materno e emoções que Joyce Smith descreveu no seu livro. O filme poderia muito bem só ser sobre o milagre apontado no título, mas Dawson conseguiu transmitir através de Metz camadas pé no chão sobre a possibilidade de uma mãe perder seu filho e, se sobrevivesse, ele poderia não ser mais o mesmo: Joyce, naquele momento, não estava somente esperançosa por algo milagroso, mas também desesperada por não poder fazer nada com as próprias mãos para resolver tudo imediatamente, tanto que sua oração soou muito como uma ordem para que Deus devolvesse a vida de John.
Ela não aguentava a energia de pessoas que não tinham fé o suficiente, gente que compartilhava o pessimismo e com seus comportamentos não iriam aliviar o fato de que o acidente e o estado crítico de John não estavam sob seu controle. Tudo isso só foi possível, essa captura emocional e que flertava com reações reais que pais teriam em tal situação, por meio de Metz. Também foi por ela que outros personagens funcionaram, como Josh Lucas no papel de Brian Smith e Topher Grace na pele do pastor descolado Jason Noble — exceto Lisa Durupt como a esposa Paula Nable que rendeu só quatro falas e uma mão no rosto do amado sinalizando que tudo ficaria bem.
Com toda essa boa recepção em sua atuação, não deve demorar para que Metz esteja envolvida em projetos ainda mais ambiciosos, enquanto não está, ao menos cantará a faixa principal do filme I’m Standing With You, e que foi também uma das músicas indicadas na categoria de Melhor Música Original no Oscar 2020.
A intenção de Superação foi poder passar todo o conflito emocional que John, família e amigos se viram nos momentos e depois do acidente trágico e ter o espírito realístico na maior naturalidade possível, mas a pergunta é, conseguiria se fugisse das muletas de ser estruturalmente bonitinho e tocante? Infelizmente, isso parece uma barreira difícil de superar.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.