O final de 2019 e o começo de 2020 foi (e ainda tem sido) um período conturbado para quem acompanha séries e animações pelo serviço de streaming Netflix. Cada semana traz uma novidade como estreia e essas novidades competem pelo nosso tempo com as séries que já vínhamos acompanhando e cujos retornos de novas temporadas vêm aos montes nessa época de final/começo de ano.
Por isso, só agora consegui colocar em dia a terceira temporada de O Príncipe Dragão (The Dragon Prince, 2018 -), que estreou no último 22 de dezembro. Certamente o melhor momento da série até então.
Criada por Aaron Ehasz e Justin Richmond, a série possui um estilo de animação do qual eu sempre corri léguas: feito em três dimensões, mas com aparência de animações em 2D. O estilo não é novidade. A primeira vez que eu prestei atenção a essa lógica de sprites foi há quase 20 anos, no jogo das Tartarugas Ninjas da Konami, para Playstation 2 – e é claro que você vai lembrar dos nada louváveis Homem-Aranha: A Nova Série Animada (Spider-Man: The New Animated Series, 2003) e do Homem de Ferro adolescente (Iron Man: Armored Adventures, 2008 – 2012). Não foram boas experiências. Então, esse visual foi a primeira coisa que me incomodou quando O Príncipe Dragão pipocou na tela de entrada do aplicativo de streaming na minha TV. Fiquei bastante feliz em saber que os produtores levaram a sério as reclamações dos fãs e fizeram alterações para melhorar a animação, já na segunda temporada.
Mas não foi só isso que me fez franzir a testa. Os nomes dos episódios, a forma como se apresenta o universo, o plot político que mostra a divisão entre reinos e a previsível jornada dos protagonistas que levaria a (re)união desses povos lembrava, não à toa, o enredo de uma animação que eu havia acabado de completar (também tardiamente, assumo): Avatar: A Lenda De Aang (Avatar: The Last Airbender, 2005 – 2008). Apenas meses depois eu viria a saber que Aaron Ehasz era também um dos escritores da animação da Nickelodeon.
Foi tendo isso em mente que eu comecei a ver OPD. Completamente sem expectativas e pensando “mais do mesmo”. Engano meu. O desenvolvimento dos personagens, a criação do rico e belíssimo ambiente foram me fazendo querer ver e me aprofundar cada vez mais naquele universo.
Veja bem, O Príncipe Dragão até pode, no início, parecer uma cópia de Avatar. Mas é apenas uma primeira impressão mesmo. Seu ponto forte? O carisma! Apaixonantes, cada um dos personagens possui desenvolvimento muito próprio. São críveis – dadas as devidas proporções, claro (afinal estamos falando de magos, dragões, elfos e uma criança que conversa com animais). O que é melhor: não falo apenas dos mocinhos. Os vilões da série também possuem magnetividade. Eles são profundos e paradoxais.
Para além da política, a animação discute temas como relação familiar, amizade, a descoberta do amor, diplomacia, ganância e, característica frequente na Netflix, também trata de diversidade de raça e sexualidades. Isso tudo em um universo mágico, lotado de figuras fantásticas, encantamentos, orelhas pontudas e animais tão incríveis que fariam JK Rolling rever suas anotações. Há, inclusive, fortes referências à obras contemporâneas como Harry Potter e Senhor dos Anéis. Não fosse o bastante, a trama vai se tornando complexa conforme a história avança e os personagens têm que tomar decisões que parecem difíceis até para nós que somos expectadores. Eu me vi pensando várias vezes que, em tal posição, eu mesmo não saberia o que fazer.
Se por acaso você ainda não começou a ver essa série, vou te contar do que se trata: O reino de Xadia é habitado por humanos e por seres encantados e possui todo um ambiente recheado de energia mágica. Porém, não foi permitido aos humanos o dom de manipular a magia. Assim, eles deram um jeito de reverter a situação “retirando” essa energia dos seres da natureza para usar em benefício próprio, causando a morte do bichinho. É claro que isso iria deixar o rei dos seres mágicos nervoso. No caso, esse rei seria um dragão. Isso iniciou uma guerra que dividiu a terra em duas partes. Em uma delas ficariam os seres mágicos e, na oposta, os humanos. A outra consequência foi a morte de uma rainha humana por um dragão e, posteriormente, a morte desse dragão, por vingança. Ou seja: deu muito ruim!
É nesse cenário que a história começa. Para vingar a morte do dragão, um grupo de elfos se infiltra na terra dos humanos com a missão de assassinar o rei e descobre que esse reino sequestrou o ovo do herdeiro da terra mágica de Xadia. É desse ovo que nasce o príncipe dragão que dá nome à série. Acho importante ressaltar que muito do que escrevi aqui não é entregue de graça na animação e a maiorias das coisas a gente só vem descobrir bem lá na frente, depois que já fica difícil saber até em quem confiar. Tem muita reviravolta nesse negócio!
Mesmo assim, é fato que a primeira temporada é bem morna. Principalmente se comparada a terceira. É aqui, na última temporada lançada, que a série alcança seu ápice. Dilemas como um rei criança que precisa decidir entre renunciar e entregar o reino a um traidor, ou entrar em guerra e ser responsável pela morte de milhares de pessoas, ou da filha de um traidor ganancioso que teima em não enxergar o pai como um inescrupuloso e precisa lidar com o distanciamento do irmão. Aqui, como nas duas temporadas anteriores, também somos apresentados a novos personagens e, com eles, as dúvidas sobre quem vai ajudar e quem vai atrapalhar, e o suspense do que pode acontecer na sequência. Fiquei positivamente surpreso com o amadurecimento dos roteiros nos episódios, principalmente da segunda metade quando a guerra se fez iminente e, em uma cena longa de batalha, que é uma das melhores que eu já vi em uma animação, há um acontecimento que é uma homenagem clara à cena de guerra de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (The Lord Of The Rings: The Return Of The King, 2003).
Por fim, a dica que eu dou é que vale à pena apostar. Netflix demorou um pouco até acertar a mão em series de animação mas, já faz um tempo, tem apresentado bons trabalhos. O Príncipe Dragão é um exemplo de como um desenho pode crescer, seja em roteiro, seja em evolução de personagens. Agora é aguardar as próximas temporadas (os criadores prometeram sete) e torcer para que a qualidade continue aumentando. A terceira terminou muito bem e trouxe boas surpresas até no último segundo do último episódio. Espero que você goste tanto quanto eu!
Gay, Nerd, jornalista e podcaster. Chato o suficiente pra achar que pode se resumir em apenas quatro palavras. Fã de X-Men e especialista em Mulher-Maravilha. Oldschool – não usa máquina de escrever, mas bem que poderia. There’s only one queen, and that’s Madonna!