The Good Place – Existe mesmo O Bom lugar?

Partindo da premissa de que existe um lugar para irmos após a morte a depender dos nossos feitos na Terra, a primeira temporada de The Good Place (2016-2020) trouxe como conflito o fato de a protagonista Eleanor Shellstrop (Kristen Bell) estar aparentemente por engano nesse lugar. Eleanor não é um exemplo de pessoa correta e percebemos isso ao longo dos episódios, através de suas atitudes (embora disfarçadas por ela, para não ser descoberta) e de flashbacks da sua vida na Terra. Eleanor até questiona-se sobre contar a verdade a respeito de sua índole, mas teme ser expulsa do Bom lugar e ser levada para o Lugar ruim. 

Além de Eleanor, também fazem parte do grupo de amigos que habita essa espécie de bairro: Chidi Anagonye (William Jackson Harper), Tahani Al-Jamil (Jameela Jamil) e Jason Mendonza (Manny Jacinto). Todos eles aparentemente perfeitos até que Eleanor vai descobrindo sobre suas personalidades e identificando defeitos e erros seus cometidos na Terra. Embora Eleanor pareça sempre a mais errada. Ao longo da primeira temporada ela tenta, com a ajuda de Chidi, que é professor de filosofia moral e ética, ganhar pontos (no sistema) por boas ações para permanecer no Bom lugar.

É preciso dizer que O Bom lugar, consiste em um espaço fantástico, como um bairro projetado por Michael (Ted Danson), onde todas as pessoas estão felizes, fazendo o bem, pedindo coisas (qualquer coisa) à Janet (D’Arcy Carden), a assistente de Michael, e tomando frozen yogurt. Poderia facilmente ser a concepção de “Paraíso” de algumas crenças terrenas. Tão bom que Eleanor, como boa humana materialista que é, até estranha. É fácil se identificar com Eleanor por que ela sempre questiona a forma como as coisas estão postas. A primeira temporada da série termina com uma descoberta dela que serve de gancho para a segunda e é quando o enredo tem uma grande reviravolta. Quando pensamos que a estória não tem mais para onde ir caso Eleanor seja desmascarada, essa virada traz outras possibilidades e elas são desenvolvidas nas temporadas seguintes (que não vou detalhar porque detesto spoiler e acho que vale ver a série e viver cada revelação).

The Good Place é uma série de humor (por vezes irônico), com episódios curtos, piadas inteligentes (é preciso estar atento aos diálogos) e reflexões pertinentes. Cada personagem tem uma questão pessoal que o afeta e essa questão (ou questões) é trabalhada ao longo da narrativa. Chidi é muito inteligente, mas é mais introspectivo, é muito justo mas indeciso. Coisas que dificultam sua vida. Tahani é uma mulher linda, carismática, rica e famosa, além de filantropa, ou seja, aparentemente perfeita. Mas sofre por não ter o reconhecimento dos pais e quando alguém fala mal dela. Jason é o mais tranquilo, aleatório e sem noção do grupo e também o mais inocente. Ele sempre tem ideias absurdas e isso rende boas gargalhadas. Janet é a mais centrada, provavelmente por não ser humana. É como um assistente de celular, com todas as respostas possíveis. Eleanor é aquela com quem nos identificamos porque é a que mais se assemelha a um ser humano mediano. Teve uma vida medíocre, um trabalho de que não gostava, não teve amigos de verdade, nem família. No entanto, após a morte, com os novos amigos é que desenvolve melhor seu trato com as pessoas, sua perspectiva em relação à vida. Ela melhora em todos os aspectos. Embora não perca a personalidade. No decorrer das quatro temporadas todos aprendem e melhoram. Acaba sendo um paralelo com algumas crenças terrenas que dizem que estamos aqui para evoluir.

A série pontua muito bem questões relacionadas às diferentes crenças do que acontece na vida após a morte, traz temas como Ética e Filosofia. Desenvolve entre o fim da terceira temporada e a quarta um grande questionamento sobre o sistema (da série) que julga as pessoas após a morte e define para onde vão. E como esse sistema pode contribuir para que as pessoas melhorem e não apenas sejam punidas por seus atos. É muito interessante vê-los esmiuçar cada pequeno detalhe a fim de tornar esse processo justo para todos. Sempre sem deixar de ser divertido e inteligente, além de trazer boas surpresas no elenco.

O último episódio, lançado em janeiro de 2020, teve uma duração maior que a média (aproximadamente 50min) e trouxe o tom de despedida da série que acompanhamos por quatro anos. Finalmente no último estágio do Bom lugar, em que cada um dos habitantes poderia viver qualquer experiência que quisesse, por quantas vezes quisesse, além de usufruir da vida pós morte perfeita por tempo indeterminado. Um ciclo de anos ou melhor dizendo, de “JeremyBearimy’s” (a forma como funciona a linha do tempo após a morte, explicada no quarto episódio da terceira temporada). Assim, como até o que é bom demais enjoa, eles definem que cada habitante poderá decidir o momento em que desejam dar por encerrado esse período e determinam que será quando sentirem que cumpriram seu propósito nessa vida (pós morte). Então cada um à sua maneira sente quando é o momento de ir e faz uma bonita despedida dos que ficam. The Good Place termina deixando uma profunda reflexão em cada um de nós: “Estou realizando meu propósito nessa vida?” Mais que um entretenimento, uma boa sacolejada. Um aprendizado.