Sabemos que filmes de guerra viraram um gênero bastante popular dentro da indústria do cinema, muitos deles ganhando notoriedade merecidas (Platoon, Falcão Negro Em Perigo, Até O Último Homem) e outros que mudaram o gênero em suas épocas (O Resgate do Soldado Ryan, Dunkirk e o recente 1917), todos mostrando os horrores da guerra, a coragem dos soldados e a luta contra a opressão de um inimigo implacável, mas nem toda a história de guerra é contada no campo de batalha, algumas delas são contadas nos bastidores e em muitos casos recheados de críticas e reflexões, olhando por este lado pode se dizer que a nova produção Jojo Rabbit (2019) se encaixa como uma luva nesta última descrição.
O longa dirigido pelo irreverente diretor neozelandês Taika Waititi conta a história de Jojo (Roman Griffin Davis), um garotinho que vive numa Alemanha nazista e descobre por acaso que sua mãe esconde uma judia no sótão de sua casa. A sinopse parece meio inusitada e simples, mas “Jojo Rabbit” é muito mais do que aparenta ser, e é ai que mora toda a magia desta sátira autocrítica que explora a vida de um garoto durante o período da segunda guerra em pleno regime nazista de Hitler.
Este filme é uma sátira, bem-humorada, as vezes ácida, mas também por diversos momentos incisiva naquilo que quer mostrar ou criticar. O grande trunfo do roteiro também assinado por Taika, é contar a história pelo olhar inocente de uma criança (ou várias, já que parte da história se passa num acampamento nazista), então a narrativa começa bastante leve, mostrando a vida de Jojo no acampamento onde as crianças são ensinadas sobre a guerra, sobre Hitler e sobre os judeus, aqui retratados como seres de pouca inteligência, mas bastante cruéis.
A aparente inocência empregada, o exagero nos diálogos e nos personagens pelo roteiro são propositais, ao mesmo tempo que não esconde verdades sobre o regime, mas vai pavimentando a história aos poucos revelando que esta não é apenas uma sátira, mas também um drama de guerra que não esconde seus aspectos mais sombrios. A narrativa neste quesito é bastante linear, começa bastante solar, com uma fotografia alegre, mas aos poucos vai se revelando perigosa para Jojo e seus amigos se tornando uma trama mais tenebrosa abraçando os horrores da guerra aos poucos em seu enredo.
O ponto mais positivo de “Jojo Rabbit” é a maturidade e a sensibilidade em como a direção consegue equilibrar o humor (que flerta muito com pastelão, mas sem ser piegas demais) e o drama, mas tudo isso só funciona muito bem porque o protagonista da obra brilha com uma atuação espetacular. O garoto Roman Griffin Davis (guarde esse nome) é um poço de carisma e sua interação com o resto do elenco é ainda mais interessante, seja com seu amigo imaginário Hitler (vivido por um engraçado Taika), seja com a misteriosa Elsa (Thomasin McKenzie, ótima), ou sua amorosa e esperançosa mãe Rosie interpretada por uma carismática Scarlett Johansson.
O resto do elenco faz um bom trabalho também, diga-se de passagem, destaque para as participações de Rebel Wilson, Alfie Allen, Sam Rockwell, Stephe Merchant e do pequeno Archie Yates que interpreta o melhor amigo de Jojo, outro talento mirim que surgiu no longa mostrando a mão boa de Taika e seus diretores de elenco para escolher crianças boas de atuação. Em termos de produção, “Jojo Rabbit” é impecável, a trilha sonora é vibrante, o design de produção é excelente, assim como o figurino.
O interessante deste longa é o fato da história não subestimar a inteligência do espectador, se por um lado a história lida com temas típicos da idade de uma criança, como Jojo sofrendo com bullying, falta de autoestima e a falta de amigos, encontrando na figura imaginária de seu ídolo Hitler alguém para ouvir seus conselhos, dúvidas e receios, por outro lado a narrativa não poupa o espectador das informações e atrocidades da propaganda nazista e como esta influencia até mesmo as mentes mais inocentes.
É um filme que mostra que por mais que o foco principal em Jojo seja algo mais inocente, o roteiro sempre mostra que há uma linha fina e invisível entre as mentiras contadas pelo regime de Hitler e a verdade que sempre está à espreita na vida do pequeno garoto tentando se revelar a cada momento, verdade esta representada pelas figuras da jovem Elsa e sua mãe Rosie. A sensibilidade de Taika ao tecer esses relacionamentos nos dois primeiros atos é bastante eficiente, mesmo que a visão de Jojo sobre o nazismo teimem em deixar sua visão poluída para enxergar algo tão óbvio que está diante de seus olhos, ainda assim esses relacionamentos são catalizadores para que o garoto vá amadurecendo ao longo da trama enquanto tudo é preparado para um trágico e revelador em terceiro ato.
A máxima de “Jojo Rabbit” é saber dosar diversos elementos numa narrativa cheia de vida e surpresas, onde as mentiras e o ódio podem até dominar em alguns momentos, mas são sempre derrotados pelo amor que aqui funciona como uma forte mensagem de esperança anti-ódio que pavimenta toda uma narrativa mesmo em seus momentos mais incômodos.
De uma forma geral, “Jojo Rabbit” é um grande filme por seus próprios méritos, é claro que nem todas as cenas de humor funcionam, até porque o humor do Taika em seus filmes são bem inusitados e com bastante particularidades, desta forma podem não ter o efeito desejado com o público de massa, no entanto a narrativa é tão bem conduzida, a direção é tão cuidadosa e o protagonista vivido por Roman é tão bom, que fica difícil não se apaixonar por essa história que no final das contas é uma grande carta contra o ódio, contra a mentira, contra as atrocidades se revelando uma bela narrativa sobre amor, esperança e amizade que vai deixar seu coração quentinho e cheio de felicidade quando a última cena terminar.
Engenheiro Eletricista de profissão, amante de cinema e séries em tempo integral, escrevendo criticas e resenhas por gosto. Fã de Star Wars, Senhor dos Anéis, Homem Aranha, Pantera Negra e tudo que seja bom envolvendo cultura pop. As vezes positivista demais, isso pode irritar iniciantes os que não o conhecem.