Em 2019, chegou aos cinemas mundiais o mais novo filme do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, Dor e Glória (Dolor y Gloria, 2019), um drama com um tom autobiográfico que trazia consigo Antonio Banderas como protagonista. No filme, acompanhamos a trajetória de Salvador Mallo (Banderas), um cineasta entre 50 e 60 anos que enfrenta não só as mazelas da vida, mas também padece das angústias da alma. Talvez seja o filme recente do cineasta com o tom mais dramático, embora em alguns momentos seja possível achar graça das ações de Salvador.
A linguagem abordada no filme é alternada entre uma espécie de flashback e a narrativa presente, em uma transição quase fantasiosa. Ao ver o filme, tive a mesma sensação de ler algum escritor do realismo fantástico latino-americano, não pelas ações maravilhosas e o tom fantasioso, mas mais pelo ar pueril e inocente que seu protagonista carrega, embora em alguns momentos ele tome atitudes nem um pouco inocentes. O tom fabuloso ganha mais ares a medida que vamos conhecendo o protagonistas e aqueles que o cercam. Concomitante a isso, o filme desenvolve uma série de pensamentos comuns a nossa sociedade contemporânea, por exemplo, o bloqueio criativo ou as mazelas físicas que vêm de acordo com a idade.
A história de Salvador Mallo passa pela a história do cinema – pelo menos de sua concepção de cinema – em uma das cenas mais bonitas do filme, no qual o personagem Alberto Crespo (Asier Etxeandia) lê um monólogo escrito por Salvador e dança, ele diz “ O cinema da minha infância tinha cheiro de urina”. A partir daí o filme cresce muito em seu tom confessional e pessoal, o monólogo em questão trata de um antigo amor de Salvador. O filme trata de muitas temáticas, o primeiro desejo do diretor de cinema, seu amor que não pode salvar quem ele amava e, principalmente, o amor que ele sente pela sua profissão e que não pode mais exercer.
Falando um pouco mais das questões técnicas do filme e de suas atuações, o longa é extremamente bem dirigido, delicado ao abordar certas questões e trata com amor o fazer cinematográfico, mesmo que esse amor esteja impedido por uma questão física ou emocional. A fotografia e edição do filme também são destaques sempre fazendo transições suaves e entregando o que se espera de um filme do Almodóvar, contudo seu grande mérito está na atuação de Antonio Banderas, ele consegue transmitir toda a dor de seu protagonista, o fato de ele querer filmar e não conseguir, os seus constantes engasgos físicos e emocionais, o fato de ter seu amor de volta por uma noite e logo ter que se despedir. É uma atuação completa e poderosa, dos indicados a melhor ator, certamente ele é meu favorito e aquele que mereceria ganhar a estatueta. Assim como, Almodóvar deveria ter sido indicado em melhor direção e Dor e Glória a melhor filme.
Dor e Glória é um retrato de uma vida. Nele, podemos ver o resultado dos desdobramentos que tomamos durante nossa jornada. É uma bonita, poética e fantasiosa metáfora das dificuldades encontradas durante nossa caminhada. Tudo filmado com muito amor e sensibilidade, entregando ao público uma história interessante e reflexiva, sobre como certos problemas não têm como serem resolvidos, esses elementos aparecem envoltos ao amor do diretor para o cinema e de como os filmes de sua infância tinham cheiro de urina.
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.