Ameaça Profunda – Um bom terror subaquático

Existem dois ambientes que conseguem me deixar com medo de ficar preso em uma situação inusitada, o primeiro seria o espaço, um acidente numa estação seria o bastante para me deixar apavorado sabendo que ficaria flutuando dentro de um traje em pleno ar e à deriva; o segundo seria o fundo do mar. Não há lugar mais misterioso e sombrio do que as partes mais remotas e profundas dos oceanos, mas citei esses exemplos para mostrar que não há lugares mais propícios para fazer bons filmes de terror colocando personagens humanos no limite de suas emoções, e é neste contexto que o novo suspense protagonizado por Kristen Stewart, Ameaça Profunda (Underwater, 2020) toma forma.

O longa de suspense e terror dirigido pelo novato William Eubank tem uma premissa bastante familiar, com uma tripulação científica de uma estação subaquática enfrentando um terremoto nas profundezas do oceano, forçando a equipe a lutar pela sobrevivência para escapar do lugar. Até este ponto não temos nada de novo, tudo isso já foi visto antes em outros suspenses como Do Fundo Do Mar (Deep Blue Sea, 1999) ou O Segredo do Abismo (The Abyss, 1989), ou até mesmo os filmes da franquia Alien, mas há algo especial em “Ameaça Profunda” que consegue trazer elementos de suspense que funcionam dentro do universo estabelecido, mesmo que não seja algo novo.

O primeiro ato do filme é bastante frenético, somos apresentados à personagem Norah Kepler (Kristen Stewart), engenheira mecânica que percebe algo errado na estação antes que ela comece a implodir devido a fortes tremores de terra. Neste ponto o filme não perde tempo em apresentar outros membros da tripulação em meio ao caos, são eles: Rodrigo (Mamoudou Athie), um sobrevivente e tripulante da estação (T.J. Miller), o capitão (Vincent Cassel), Emily (Jessica Henwick), Lee (Gunner Wright) e mais o interesse romântico de Emily (John Gallagher Jr.).

Uma vez que os personagens foram estabelecidos e a causa das explosões é previamente explicada, a narrativa se transforma então em uma história de sobrevivência, com os personagens precisando partir do ponto A (a estação que se encontravam) até um ponto C (a estação onde se localiza a broca de perfuração), para que possam pegar módulos de sobrevivência para subir a superfície. O primeiro e o segundo atos do filme tem uma certa urgência, desta forma o texto perde um pouco de peso, com pouco desenvolvimento e muita correria, sem falar que os diálogos e tiradas cômicas são pouco inspiradas, mas nada que não possa ser relevado em detrimento da ação.

E neste quesito “Ameaça Profunda” tem seu maior mérito, se o roteiro fica devendo, o longa compensa isso com ótimas doses de suspense e terror cercando os personagens, que não só têm que lidar com o efeito dominó da destruição da estação, mas também com ameaçadas vindas das profundezas na forma de estranhas criaturas marinhas. A atmosfera claustrofóbica imposta pela direção e a fotografia deixam a tensão ainda maior criando um clima bastante sufocante para quem assiste, tornando a experiência ainda mais interessante na tela grande.

Outra qualidade deste filme é a construção de universo, uma empresa misteriosa, uma estação submersa vasta e complexa, com criaturas misteriosas surgindo de formas inesperadas, qualquer semelhança com Alien, não é mera coincidência, o longa bebe muito dessa fonte, até porque o personagem de Kristen é basicamente uma versão mais leve da Ripley. Mesmo com essas semelhanças, o longa encontra uma forma de achar sua própria identidade dentro deste gênero e só por isso, já merece a chance de ser assistido.

No quesito técnico, não há nada do que reclamar, os efeitos visuais são razoavelmente bons, o design de produção é incrivelmente complexo fazendo jus ao orçamento pomposo de quase oitenta milhões de dólares. A trilha sonora não traz nada de novo, mas funciona nas horas certas, gerando sustos inusitados em várias sequências ao longo da trama. O elenco no geral atua de forma correta e dentro dos padrões, o destaque mesmo vai para Kristen Stewart, que aqui se mostra bem segura como protagonista, sua química com a também muito boa Jessica Henwick é outro ponto que vale a pena ser comentado.

De uma forma mais geral, “Ameaça Profunda” não chega para mudar o gênero, na verdade o filme se apoia em muitos clichês que já deram certo, mas ao menos é honesto em entregar isto de uma forma bastante convincente deixando os olhos do espectador grudados na tela, misturando bem suspense e terror que funcionam na maior parte do filme, ainda que o terceiro ato descambe um pouco para ação explicita e termine ao meu ver de forma meio abrupta, no final das contas o resultado é bastante positivo para um filme que é puro entretenimento e com certeza se consolida como um bom terror subaquático.