Quem me conhece sabe que não sou fã do gênero de filmes de guerra. Sempre há uma visão distorcida da realidade em que o americano vence ou uma visão idealizada da guerra. O último filme do gênero que tinha realmente gostado foi O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998), muito mais pela visceralidade e pelo fato de ser um filme de resgate do que necessariamente por ser um filme de Guerra. Em 1917 (2019) Sam Mendes, diretor do filme, resgata uma série de elementos acertados do filme do Spielberg, mas também aprofunda uma versão própria de seu diretor.
A sinopse está nos trailers. Uma dupla de soldados precisa atravessar a pé uma parte do território francês para entregar uma carta cancelando o ataque no dia seguinte, pois haveria uma emboscada do exército alemão e resultaria num massacre do lado britânico. O filme se desenvolve ao acompanhar essa jornada. Esse acompanhamento se dá de uma forma simbólica quase literal, pois, por se tratar de um gigante plano sequência (ou pelo menos por passar essa sensação), o espectador está o tempo todo com os protagonistas. A escolha desse estilo de filmagem dá uma imersão muito maior no que acontece na tela, o público parece estar no campo de batalha junto com os personagens.
A cinematografia de Roger Deakins é estonteante e de tirar o fôlego, não sei quem vai ganhar o Oscar de melhor fotografia, mas não dar a ele já pode ser considerado uma injustiça. A trilha sonora segue o ornamento fotográfico ao entregar ao público da sala de cinema uma das trilhas mais imersivas e tocantes em um filme de guerra, somando-se a tudo isso às atuações seguras da dupla de protagonistas, nós temos um dos melhores filmes do gênero e certamente um dos melhores do ano, apesar de seu lançamento oficial ter sido em 2019.
A escolha temática foi muito acertada também, pois além de explorar uma guerra que não é vista com frequência na cultura pop, o filme traz consigo toda uma carga dramática e um ar de suspense em que o público simplesmente não sabe o que vai acontecer na cena seguinte. Em determinados momentos do filme, o embate ideológico sobre a guerra entre os dois protagonistas reflete também como o filme se insere dentro do gênero, enquanto um vê a guerra como glória, o outro vê como uma desgraça e algo sem importância. Ao decorrer do filme há cenas muito icônicas e que certamente valerão a experiência cinematográfica. Uma em especial vale a pena prestar atenção, acontece logo após uma grande passagem de tempo (dentro do filme) e que se passa à noite, muito por conta das luzes e da trilha sonora, essa cena lembra os filmes do expressionismo alemão (movimento cinematográfico mais ou menos da época do filme) e possui até um caráter circense, muito envolto em uma esfera onírica entre o mundo dos sonhos e a realidade crua da guerra.
1917 é, talvez, o melhor filme sobre guerra desde de O Resgate do Soldado Ryan, muito por conta de ir além de mostrar os horrores dos conflitos, mas também por mostrar como isso afeta aqueles que estão diretamente envolvidos nas lutas. Ao mesmo tempo que é um filme grandioso por relatar em sequência um feito tão abstruso, mostra um relato intimista de dois soldados com diferentes visões sobre a guerra. A maior prova disso é o plano inicial e final, são planos espelhados do mesmo personagem, mas é possível observar e sentir tudo o que ele viveu. Vale a experiência cinematográfica e certamente a emoção de acompanhar essa jornada.
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1917 – Só Mais Um Plano Sequência #take029
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.