A Dama e o Vagabundo – Um charmoso e belo mais do mesmo

Estamos numa época interessante para se viver, não só pelo fato de o cinema ser dominado por filmes de super-heróis, mas pelo fato de a Disney dominar o mercado com suas releituras em live action de seus desenhos clássicos numa tentativa de resgatar a nostalgia perdida e atrair toda uma nova geração de crianças e jovens. Este ano tivemos Dumbo (2019) (belíssimo), Aladdin (2019) (vibrante) e o aguardado O Rei Leão (The Lion King, 2019) (nostálgico) estreando pelos cinemas do mundo inteiro e faturando rios de dinheiro, mas faltava ainda um remake para fechar o ano que havia sido anunciado desde o começo do primeiro semestre. A Dama e o Vagabundo (Lady and the Tramp, 2019) chega tomando o caminho inverso das outras estreias da Disney, estreando direto no serviço de streaming da empresa ao invés de ganhar as telonas.

Para você que não conhece, o Disney+ ou Disney Plus, é um serviço de streaming semelhante ao formato estabelecido pela Netflix, só que composto por todos os filmes, séries e documentários consagrados da empresa do Mickey Mouse, de filmes campeões de bilheteria da Marvel, passando por clássicos da Pixar até chegar nos filmes inesquecíveis do universo Star Wars. A plataforma estreou no último dia 12 de novembro, trazendo diversas novidades, entre elas esta charmosa releitura do clássico desenho de 1955 que agora ganha uma atualização mais do que bem-vinda, apesar de não trazer grandes novidades em sua estrutura narrativa.

A Dama e o Vagabundo versão 2019 é um longa encantador, isso não dá para negar. Logo de cara percebemos que o filme dirigido por Charles Bean é um filme especial que, apesar de emular vários aspectos do original, consegue achar seu próprio tom e identidade ao longo da narrativa. A história de Dama, uma cadelinha da raça cocker spaniel que vive feliz com seus donos e tem sua vida mudada com a chegada de um bebê no seio da família, continua intacta, assim como seu encontro com Vagabundo, cão vira-lata que vive pelas ruas de Nova Orleans se virando para sobreviver.

Talvez a grande diferença entre o desenho e essa nova versão é como a trama se torna mais acessível e mais universal, o roteiro mantém a mesma estrutura, mas consegue desenvolver de uma forma melhor a relação entre Dama e seu amado. A voz da atriz Tessa Thompson faz uma grande diferença neste contexto, tornando a personagem Dama menos mimada e mais inteligente, compreensível e ainda mais doce. Por outro lado, a voz de Justin Theroux como Vagabundo, consegue transmitir uma certa malandragem ao personagem, mas acredito que sua interação com a Dama faz o personagem ficar melhor, a química entre ambos transborda em tela.

A narrativa segue de forma bem linear, mas um dos trunfos aqui é salpicar a história com muito humor (normalmente entregue pelos amigos de Dama e do Vagabundo) e com números musicais bem cantados e nostálgicos. Se o romance é o cerne da narrativa, as questões sobre animais de estimação e cães de rua abandonados funcionam como um bem-vindo dilema para os protagonistas, enriquecendo ainda mais a história e fazendo que o público se importe com os pets.

A Dama e o Vagabundo é um filme aconchegante, a direção de Bean captura bem a atmosfera do desenho, criando uma Nova Orleans clássica, mas que ao mesmo tempo é vibrante, musical e cheia de vida. O elenco de vozes caninas é muito bem selecionado e traz consigo bastante humor, destaque para Trusty (Sam Elliott), a vibrante Peg (Janelle Monáe) e a engraçada Jock (Ashley Jensen). No entanto, o ponto de ressalva aqui é que os humanos são bastante unidimensionais, como a narrativa é bastante focada nos cachorros, estes não tem tanto espaço apesar de povoarem a trama, ainda assim há de se destacar a presença bem-vinda de Thomas Mann, Kiersey Clemons e Yvette Nicole Brown, que atuam de forma sólida mesmo com pouco tempo de tela.

Nos aspectos técnicos o longa da Disney se sai bem, a fotografia é belíssima privilegiando as belas paisagens de Nova Orleans, seus becos, sua cultura gastronômica e sua arquitetura que em alguns momentos até lembram Paris, ou uma Londres mais vitoriana. Os efeitos visuais dos cachorros estão razoavelmente bons, o fato de usar animais de verdade e preencher suas faces com CGI ajuda muito no contexto, as expressões as vezes parecem cartunescas, mas conseguem passar algum tipo de sentimento, apesar de nem sempre serem eficientes neste processo. A trilha sonora é belíssima, mas sem grandes inovações, é praticamente a mesma do desenho com algumas pequenas mudanças de tom, o espírito está praticamente intacto.

É interessante perceber aqui a preocupação da Disney como empresa em abraçar uma diversidade maior em seu elenco, principalmente porque a trama se passa em Nova Orleans, onde a presença de negros é maior e isso é refletido no filme, no desenho você sente falta, mas aqui há uma certa preocupação em ser coerente às características dos cidadãos locais. 

De uma forma geral, este remake de A Dama e o Vagabundo (Lady and the Tramp, 1955) cumpre o papel de atualizar um clássico, mesmo que não inove tanto, na verdade o longa se apoia muito no que deu certo, mas talvez a parte mais positiva desta nova versão é saber que não precisa reproduzir de forma exata os momentos clássicos do desenho para encantar, mas pode ser maravilhoso quando explora melhor o romance e o dilema de seus protagonistas em um universo riquíssimo e deslumbrante. É importante destacar que o momento mais lindo do longa é a cena clássica do jantar reproduzida de uma forma bastante fiel, talvez com um pouco menos de carisma, mas ainda assim capaz de encher o coração de crianças e adultos que amam o desenho original e aqui são agraciados com uma bela versão em carne e osso, é neste momento que você percebe ao som de “Bella Notte” que está diante de um belo tributo nostálgico, mesmo que o gosto pareça familiar, o resultado ainda é saboroso de apreciar.