Para quem não conhece, a Laika é um dos dois maiores estúdios de animação em stop-motion em atividade, ficando atrás apenas da tradicionalíssima Aardman. A empresa foi responsável por excelentes animações, desde sua adaptação da obra de Neil Gaiman com Coraline e o Mundo Secreto (Coraline, 2009) e, à partir de então, sempre sendo uma presença garantida e merecida na categoria de Melhor Animação do Oscar, com ParaNorman (2012), Os Boxtrolls (The Boxtrolls, 2014) e Kubo e as Cordas Mágicas (Kubo and the Two Strings, 2016), ainda que nunca tenha chegado a levar a premiação. Seu novo longa, Link Perdido (Missing Link, 2019), novamente dirigido por Chris Butler, que já havia comandado o divertido ParaNorman, deve seguir os passos de seus antecessores e, muito provavelmente, emplacar uma indicação na categoria e, mais uma vez, será muito merecida.
O filme fala sobre Sir Lionel Frost, um intrépido nobre inglês metido a aventureiro do início do século XX, que nos é apresentado em um prólogo onde tenta obter provas da existência do lendário monstro do Lago Ness e, mesmo que não consiga o feito inédito, demonstra enorme habilidade e destreza ao lidar com este tipo de aventura e por outro lado age com a fineza característica dos distintos cavalheiros britânicos. Mas o maior desejo de Sir Lionel é ser aceito no restrito “Clube dos Aventureiros, Exploradores e Grandes Homens”, composto por velhos desbravadores e caçadores rabugentos, e encabeçado pelo egocêntrico Lord Piggot-Dunceby com quem Sir Lionel nutre uma antiga rivalidade. Mas ao receber uma carta que dá uma pista da localização exata do mítico Pé Grande, Sir Lionel vê a oportunidade de finalmente ganhar os créditos por uma histórica descoberta e parte para o Novo Mundo em busca do elo perdido que, segundo a lenda, é a prova cabal da ligação dos seres humanos com seus ancestrais primatas.
Desde já o filme aborda uma importante discussão sobre a credibilidade dada ao conhecimento científico em detrimento de crenças conservadoras, já que Sir Lionel, mesmo sendo pintado apenas como um aventureiro, parece ter interesse em ajudar a constatar as teorias evolucionistas em desenvolvimento àquela época, e acaba por virar alvo de zombarias dos velhos aventureiros do Clube que se negam a aceitar a ancestralidade dos seres humanos. Esse interessante subtexto do filme se mostra extremamente oportuno e importante em tempos de terraplanismo e teorias escrabosas sobre os “perigos” da vacinação.
O filme, assim, não se demora a realizar o encontro entre Sir Lionel e a criatura, que surpreendentemente demonstra uma personalidade afável, bem diferente do que geralmente se espera, inclusive conseguindo se comunicar em linguagem humana normalmente. À partir daí a história se transforma na jornada de aventura dos dois em busca da localização de outra famosa criatura lendária, o Yeti, também conhecido como O Abominável Homem das Neves, que seria um tipo de parente distante do Pé Grande, agora batizado de Link, nas distantes montanhas do Himalaia. Logo o grupo é acrescido de Adelina Fortnight, viúva de um amigo de Sir Lionel que possui um mapa da possível localização do habitat da criatura.
O plot da busca por parentes distante de um ser único na Terra lembra bastante o de outra animação recente, o bonito Abominável (Abominable, 2019), só que aqui temos a marca do estúdio Laika que, apesar de ter claramente um público alvo infantil, geralmente opta por dar tons mais sóbrios à suas histórias, principalmente levando-se em consideração que não temos em Link Perdido nenhuma personagem que não seja um adulto, ainda que a personalidade de Link demonstre certa inocência infantil. Mesmo assim a animação não se priva de um humor afiado e pontual, nos entregando momentos hilários e que, quase sempre, se aproveitam do contraste entre Sir Lionel e Link, se mostrando competente tanto visualmente – e as expressões e movimentos criados para cada personagem são fundamentais – como também em diálogos super criativos (com destaque à velha anciã da vila com a galinha na cabeça).
O primor da animação do estúdio já é conhecido por todos e é aqui um show á parte, e mesmo que às vezes seja alvo de críticas por utilizar demasiado complemento digital à técnica stop-motion (diferente, por exemplo, da “pureza” dos filmes da Aardman) é possível sentir a leveza da técnica em cada movimento e em cada plano. Além disso os cenários são sublimes e passam bem o tom de aventura contido nas variadas localizações por onde os protagonistas percorrem. Recomendo que espere para ver, durante os créditos finais, um pequeno trecho de making of de uma das cenas do filme, para se ter uma ideia da grandiosidade que uma obra deste tipo contêm em sua feitura.
Link Perdido é mais um excelente filme dos estúdios Laika e garante sua permanência nesta posição de um dos grandes nomes da crescente indústria de animação da atualidade, unindo o tradicional ao moderno em sua técnica. É um filme capaz de despertar um gostoso sentimento de aprendizado ao seu final, reforçando uma lição que já é bem comum neste tipo de obra, mas que não custa ser relembrada, a de que para encontrar nosso lugar de pertencimento, precisamos ser honestos com nós mesmos.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.