Alguns anos atrás, mais precisamente na primeira década dos anos 2000, uma animação virou febre entre o público infantil e pré-escolar. Tirando a paciência, mas também muitas vezes divertindo os pais dessas crianças, Dora, a Aventureira (Dora the Explorer, 2000 – 2019) foi criado para o canal Nickelondeon com o intuito de ensinar espanhol para crianças (ou inglês, nas versões dubladas em português) através das aventuras de Dora, uma menininha de 8 anos e seu melhor amigo, o macaco Botas. Os episódios seguiam um mesmo padrão, bem simplificados e coloridos para chamar a atenção das crianças (o desenho é, inclusive, muito indicado para crianças com espectros de autismo) e tem como uma de suas maiores características a interatividade com seu público, com as personagens dialogando e fazendo perguntas para o telespectador, um formato que foi copiado e difundido por várias outros programas voltados para esta faixa etária.
Fiz essa explicação resumida caso você não tenha tido muita familiaridade com a animação, como eu não tinha até três anos atrás. Isso mudou quando meu filho nasceu e chegou a uma idade em que o entendimento do que estava assistindo já era desenvolvido o bastante para ele dialogar com um personagem de desenho animado. No início achei estranho aquele bate-papo simulado, mas não demorou muito para que meu fortíssimo lado infantil estivesse gritando “Raposo não pegue, Raposo não pegue” para que uma raposa danada devolvesse algum bem precioso da nossa querida exploradora. O desenho é sim, extremamente simples, mas funciona e muito, o que podemos notar pela sua longevidade, com quase 20 anos de exibição. Mas mesmo assim, nunca imaginei que aquela historinha, por mais cativante e educativa que fosse, daria um live action para cinema. Mas subestimei os produtores de Hollywood.
Dora e a Cidade Perdida (Dora and the Lost City of Gold, 2019), filme anunciado há uns dois anos atrás, nos apresenta uma Dora adolescente, pelo menos uns 8 anos mais velha, mas que manteve seu espírito aventureiro quase intacto no decorrer dos anos. Mas é claro que o filme nos dá, logo em sua abertura, um gostinho da menininha Dora que estávamos acostumados na animação, e logo utiliza esse fan service para explicar que todas aquelas aventuras que víamos era criação da imaginação da menina, o que imediatamente coloca o filme em um lugar de realidade mais próxima da nossa, onde mochilas e mapas não podem conversar com a gente (ou até podem se pensarmos nas tecnologias atuais… mas enfim). O filme introduz também outros ilustres personagem da animação, Botas, que é sim um macaco azul (!), mas que não consegue se comunicar como humano, e Diego, o primo de Dora, que ganharia depois seu próprio desenho no spin off Go, Diego! Go! (2005 – 2011).
O primeiro terço do filme foca na tentativa de adaptação de Dora (Isabela Moner) na cidade após tantos anos morando na selva com seus pais, algo que tivemos rapidamente em um outro spin off que não fez tanto sucesso, Dora e Seus Amigos na Cidade (Dora and Friends: Into the City!, 2014 -). Dora se vê deslocada ao tentar ser ela mesma e manter o espírito simpático que tinha com a selva e com os animais, ainda mais quando encontra seu primo Diego (Jeff Wahlberg) completamente diferente do que era na infância, tentando se encaixar no temível Ensino Médio, o que se torna impossível com a presença de sua prima esquisitinha. Essa parte do filme é importante por estabelecer alguns dos conflitos que serão desenvolvidos adiante, além de render momentos engraçadíssimos e apresentar os outros dois personagens que complementarão o grupo, Sammy (Madeleine Madden), a menina mais certinha do colégio, e por isso detestada por todos, e Randy (Nicholas Coombe) o clássico nerd bobão atrapalhado da escola.
A partir de seu segundo ato o filme passa a ser a aventura que tanto esperávamos. Bem clássico dos filmes que bebem da fonte de Indiana Jones e Tomb Raider, muito comuns nos últimos anos da Sessão da Tarde, temos desde armadilhas em templos perdidos até areia movediça, enquanto o grupo persegue e é perseguido por vilões malfeitores. Tudo isso poderia ser bem enfadonho, mas é impressionante como o filme acerta no tom aventuresco e usa todos os clichês do gênero e o conhecimento prévio que temos deles para que a narrativa se torne dinâmica e divertida, além de acertar no timming cômico que condiz com seu público alvo.
Mesmo que os personagens mais secundários não se destaquem tanto e muitas vezes acabem se tornando chatos, ou que os vilões sejam quase caricaturais demais, a escolha de Isabela Moner para interpretar a protagonista se mostra de longe o maior acerto do filme. A atriz é um achado de talento e carisma e é a grande responsável pelo que nos prende atentos ao longa. Ela consegue transmitir com a sutileza necessária tanto a inocência quanto o espírito aventureiro da Dora do desenho animado, nos fazendo amar a personagem desde seus primeiros momentos de tela, e assim fica fácil acreditarmos que aquela garota consegue resolver vários problemas que encontra pela frente, seja com seu incrível conhecimento da natureza, seja cantando uma irritante canção.
Dora e a Cidade Perdida consegue, com facilidade, alcançar seu principal objetivo, que é divertir. E em minha opinião ele consegue a proeza de cruzar os limites de seu público alvo e cativa até mesmo quem não querem atingir, como foi o meu caso. Ou talvez minha opinião esteja maculado neste ponto, já que ainda hoje assisto o desenho e faço questão de responder cada pergunta que Dora me faz através da tela.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.