O Rei – Nascido para governar

Em tempos de conflitos, é preciso sempre de um grande governante. Não sei quem disse essa frase, talvez eu mesmo tenha a inventado, mas o que importa é que ela se encaixa perfeitamente na trajetória do jovem rei Henrique V da Inglaterra, monarca que governou o país inglês no período de 1413 até sua morte em 1422. A ascensão de Henrique ao poder e seus primeiros momentos de reinado são moldados de uma forma bastante consistente nesta nova superprodução da Netflix intitulada de O Rei (The King, 2019).

O longa é dirigido por David Michôd, de The Rover – A Caçada (The Rover, 2014), e estrelado pelo ator Timothée Chalamet, uma das novas sensações de Hollywood. O Rei é um filme que mostra a que veio nos primeiros minutos, os valores de produção são o que chamam mais atenção aqui, fotografia meio solar, porém bastante escura em ambientes fechado sem ser soturna demais, porém, é a direção cheia de personalidade de Michôd que acaba roubando a cena em vários momentos.

O roteiro assinado pelo próprio Michôd e pelo ator, diretor e roteirista Joel Edgerton consegue, em poucos minutos, situar os espectadores sobre a história de Henrique, suas desavenças com pai e o que está em jogo para  a Inglaterra que se encontra em constantes conflitos, causando uma instabilidade política no reino. Todas essas situações narrativas conseguem passar a sensação de que o jovem príncipe está destinado a ser Rei, ainda assim, a meu ver, sinto falta de um polimento melhor no desenrolar de início de trama, acredito que o filme poderia ter explorado muito mais esse lado conflituoso entre Henrique e seu pai, afinal é um dos pontos altos do começo do longa.

A narrativa se concentra em dois pontos cruciais do começo do reinado de Henrique, sua coroação como rei e seu primeiro grande conflito como monarca, a guerra entre Inglaterra e França. Li que este longa em particular é adaptação de uma peça de mesmo nome, então não sei o quão fiel é em relação a essa contraparte, mas fica claro a forma como a escrita é concebida para privilegiar a atuação de Timothée no papel do rei, sem falar que em vários momentos de diálogos entre personagens, a um exagero teatral no jeito que se expressam, nada que fica fora do padrão diga-se de passagem.

Sobre o protagonista em si, não há dúvidas que Chalamet tem talento de sobra e tem muito espaço para mostrar suas facetas na pele deste soberano inglês que tem características bem marcantes, o ator consegue ter presença de tela, além de conseguir equilibrar a fragilidade e insegurança de um rei recém empossado, com a de um governante com espirito de liderança e inteligência o bastante para ouvir e resolver conflitos. Nota-se aqui uma maturidade bem-vinda por parte do ator que parece crescer ao longo da narrativa em um papel que exige bastante fisicamente dele, talvez seu ponto alto seja um discurso de batalha durante o fim do segundo ato.

O resto do elenco não faz feio, como afirmei, a narrativa foca muito na figura do rei, mas ainda encontra espaço para boas performances como Ben Mendelsohn no papel de Henrique IV. Outro destaque é Sean Harris como William, um aristocrata influente da corte inglesa, além de Joel Edgerton que faz o papel de melhor amigo e conselheiro do rei. Uma atuação que me chamou atenção foi de Lily Rose Depp, suas cenas são rápidas, mas percebi um talento pronto para aflorar ali, mas acredito que dos coadjuvantes da produção, quem rouba a cena é Robert Pattinson no papel de Delfim, Rei da França, com um sotaque e trejeitos que mostram a versatilidade do ator que anda se especializando em papéis mais sérios e interessantes. 

O Rei tem muitos pontos positivos e isso não tem como negar, porém, acredito que o longa ainda assim sofre com muita inconsistência em seu segundo ato, a narrativa se estende muito e dessa forma oscila e acaba soando como enrolação que a torna lenta deixando quem assiste um pouco entediado. O roteiro tenta dar mais profundidade aos conflitos internos do rei enquanto prepara o campo para um eminente conflito, mas acaba por estender demais algo que poderia ser mais corriqueiro, porém quando Pattinson entra em cena, o filme ganha fôlego de novo e quando a batalha prometida realmente começa o longa simplesmente dá um salto de qualidade numa sequência muito bem filmada, cheia de figurantes, com cenas brutais e visualmente belíssima.

Não é de hoje que a Netflix investe no gênero, mas em O Rei se nota uma produção mais cuidadosa e que consolida a empresa de streaming como uma forte contadora de histórias de época, abrindo espaço para mais produções futuras. Se em Legitimo Rei (Outlaw King, 2018) do ano passado, faltou mais características dramáticas ao longa protagonizado por Chris Pine (que ainda é um filmaço, diga-se de passagem), neste longa temos uma produção que sabe ser ainda mais cinematográfica (consequentemente deve chamar a atenção no Oscar 2020), além de uma direção mais apurada graças a David Michôd e, principalmente, sabe explorar melhor sua base dramática, mas sem esquecer de entregar o espetáculo ao público. 

No final das contas, O Rei é um filme bem feito, bem dirigido, que as vezes oscila no tom, é verdade, mas no geral sobressai por causa das atuações e da parte técnica simplesmente deslumbrante, destaque para fotografia, edição de som, figurino e design de produção. O roteiro na maior parte do tempo é sólido e a atuação de Timothée Chamalet segura a trama muito bem (acredito que existe até um espaço para um minissérie futuramente com o próprio ator, o final do terceiro ato abre espaço para isso), traçando a jornada de um rei diferente, que ao invés de fomentar guerras, prefere dialogar primeiro se mostrando um grande conciliador, e mesmo quando é obrigado a entrar em conflitos, se mostra implacável, ainda assim digno de admiração, afinal, alguns reis realmente são nascidos para governar.