Se me perguntassem há quatro anos sobre minha expectativa sobre um filme novo do Tarantino, eu provavelmente iria dizer que estava muito empolgado. O cinema dele por anos foi referência para mim, antes mesmo de estudar cinema. Pulp Fiction: Tempo de Violência (Pulp Fiction, 1994) até pouco tempo figurava entre meus filmes favoritos de todos os tempos. Pois bem, em 2019 é impossível olhar para Quentin Tarantino com os mesmos olhos, seja pelo caso de Harvey Weinstein, em que o diretor sabia dos rumores e teve até uma ex-namorada assediada por Weinstein e mesmo assim não fez nada, ou pelo seu silêncio. O silêncio de Tarantino mudou tudo.
Resolvi ver Era uma Vez em… Hollywood (Once Upon a Time in… Hollywood, 2019), o retorno do diretor em seu nono filme, dessa vez para mostrar um lado de Hollywood que ninguém esperava. Pelo menos essa era a promessa e a expectativa. Finalmente assisti ao filme e sai desapontado. Em seu filme anterior, Os Oito Odiados (The Hateful Eight, 2015), eu já havia saído muito chateado do cinema. Além de ter um segmento do filme que me incomodou muito, era a primeira vez que via um filme do Tarantino ser cruel. Sim, eu sei que a violência está presente em todos os seus filmes, mas ela sempre foi retratada de uma forma alegórica ou até mesmo caricatural, buscando um aspecto lúdico na memória fílmica de seu público, em seu oitavo filme ele abandona um pouco esse lado e vai para um lado cruel. O último filme do Tarantino que realmente gostei foi Django Livre (Django Unchained, 2012), principalmente pelo simbolismo desenvolvido pelo diretor no filme e pela clara homenagem ao cinema italiano de western spaghetti.
Era uma vez em… Hollywood figura uma boa ambientação da indústria de cinema americano da década de 1960, o movimento hippie está presente, as grandes estrelas de cinema americanas e internacionais, Bruce Lee e Polanski são personagens no filme. A narrativa conta a história de um ator, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), e seu dublê, Cliff Booth (Brad Pitt), ambos com crises na carreira, e a partir daí demonstra todo desenrolar com os outros personagens que, em certos momentos, nunca se encontram. O filme possui muita montagem paralela, basicamente são três pontos de vista, o personagem do DiCaprio, o personagem do Pitt e a personagem da Margot Robbie, Sharon Tate, uma das poucas personagens que realmente existiram no mundo fora dos filmes do Tarantino. Aliás, esse para mim é o grande problema do filme, as narrativas de Tarantino sempre foram pautadas no mundo real com escapismos para a fantasia, portanto estávamos sempre acostumados aos absurdos e em como aquilo era distante. Ao trazer uma personagem que existiu em nossa realidade para dentro do filme, o diretor assume uma série de decisões que são no mínimo questionáveis e levanta questionamentos, até onde o cinema pode ir? Ou seria ético filmar essa história? O cinema, para mim, não tem limites, mas sempre é preciso ter uma sensibilidade se determinada história vai atacar alguém. Dito isto, para mim todo o segmento da Sharon Tate poderia ser excluído ou substituído por outra coisa que não mexesse com uma história tão triste.
O roteiro, que a princípio não apresenta problemas, trata-se na realidade de mais um da fórmula Tarantino: 1) verborragia; 2) tensão; 3) violência. Desses três o que apresenta mais problema para mim é a tensão. O filme tem três momentos muito claros de tentativas de gerar tensão no espectador, uma mais ou menos no meio do filme e outra no ato final, a primeira para mim até que funciona, mas a segunda já me deixou cansado, depois de quase 3 horas de muitos diálogos, por fim há uma tensão que segue o filme todo a medida que vamos conhecendo os personagens, essa para mim é a pior, pois entra justamente no campo da moral e da falta de sensibilidade que mencionei.
Nem tudo é ruim, o filme acerta em seu elenco, com destaque para Leonardo DiCaprio, que certamente deverá ser indicado ao Oscar ano que vem. Esse ano sabático que ele tirou para renovar as energias fez bem e ele volta com uma atuação muito poderosa, o destaque que dou é uma cena que acontece no meio do filme (não vou falar para não dar spoilers) vocês vão saber do que estou falando quando assistirem. Margot Robbie também está ótima como Sharon Tate, mas como falei, achei problemático esse segmento, ela poderia ter tido muito mais destaque em outro papel feito originalmente para ela, por fim para fechar a trinca de protagonistas, Brad Pitt está funcional, tem um ou outro momento que se sobressai, em especial lá pelo fim do filme.
Era uma vez em… Hollywood é um filme que poderia colocar Tarantino de volta em um hall de bons diretores, mas opta por seguir uma fórmula já batida, entregando no final um filme longo, repetitivo, com boas atuações, uma boa trilha sonora, várias referências à história do cinema, mas que mais uma vez busca um caráter mais cruel e que nem sempre é preciso ser visto. Ao sair desse filme eu fiquei desapontado e lancei um questionamento: até quando, Tarantino?
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Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.