O ano de 2019 vem sendo um ano complicado, não só pela questão política, mas pelas ações causadas pelo governo atual que, em sua maioria, são bastantes polêmicas, e quando se trata das questões envolvendo o meio ambiente e a proteção da Floresta Amazônica, o caso chega a ser preocupante. No dia 3 de Julho a Globo lançou sua nova série original Aruanas, que teve a premiere na TV aberta e o restante dos episódios exibidos na sua plataforma Globoplay, esta série por sinal vem para tocar na ferida e abrir os olhos sobre preservação do meio ambiente sob o olhar de ativistas que são uma das primeiras linhas de defesa contra a degradação da natureza.
Aruanas é uma série criada por Estela Renner e Marcos Nisti que conta a história de uma ONG brasileira liderada por três ativistas que tentam a todo custo evitar que uma área ambiental seja devastada por garimpos ilegais na cidade de Cari no estado do Amazonas. É claro que a série guarda mais segredos em torno dessa premissa, que tende a se desenvolver em vários arcos que se entrelaçam ao longo de seus dez episódios, que já adianto, prende a atenção desde o começo como um bom thriller de mistério que ainda mistura muito drama, aventura e política.
A série no geral é bastante dinâmica, o piloto é um bom exemplo disso, a trama mostra a que veio criando uma teia de conspiração na cidade de Cari, quando a ativista Luiza Laes (Leandra Leal) vai investigar a ilegalidade de garimpo que esta afetando a vida de moradores da cidade e se vê em apuro quando sua fonte desaparece. A trama é eficiente em apresentar seus personagens principais e isso é crucial para segurar toda a base da série nos episódios seguintes.
Além de Luiza, temos a jornalista Natalie Lima (Débora Fallabella) e a advogada Verônica Muniz (Taís Araújo), este trio lidera a ONG Aruana monitorando ilegalidades por todo o país de forma a impedir que injustiças sejam feitas em nome do progresso. O piloto é bastante rápido e foca bastante nas três ativistas, enquanto introduz uma novata no grupo, Clara Ferreira (Thainá Duarte), uma estagiária com passado misterioso que aqui funciona como os olhos do expectador, é através da personagem que enxergamos como uma ONG trabalha e qual é a função de cada um na busca de missão ecológica bem sucedida.
Todo o roteiro do primeiro episódio é bastante enxuto, pois ainda tem espaço de criar a figura do “vilão” da história, Miguel Kiriakos interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos (muito competente em personagens do tipo), dono da empresa de mineração KM que já se mostra sem escrúpulos de imediato, mesmo que a narrativa tente colocar figuras humanizadoras ao seu redor para desviar a atenção. Outro ponto interessante é que, além da trama envolvendo Aruana, a empresa KM e a cidade de Cari, a história encontra espaço para usar o drama pessoal do trio protagonista para enriquecer as personagens ao mesmo tempo em que se aprofunda, isso na maioria das vezes é algo positivo, mas em certos pontos acaba por travar um pouco a trama, mas explicarei melhor mais adiante.
Com um episódio piloto tão sólido, correto e em alguns momentos até acelerado demais, Aruanas começa bem e se mantém assim durantes os episódios seguintes. Em “Águas” (1×02) e “Extinção” (1×03), a trama finalmente respira e ganha foco, a pressa percebida no piloto, dá lugar a uma narrativa sendo dilapidada com calma e dessa forma alguns personagens começam a se destacar, dentre eles a advogada Verônica, que no segundo episódio toma conta da trama e sua parte mais ligada à política e a justiça funciona muito bem e com méritos graças a uma atuação bastante firme e segura de Taís Araújo.
No episódio três os arcos começam a se intercalar e é a vez da personagem Natalie ter mais destaque na trama, Debora Falabella por sinal faz um bom trabalho aqui no papel de uma jornalista sem filtros quando esta a frente das câmeras. Na verdade o trio principal é muito bom, mesmo quando a trama se apoia demais em clichês se tornando até óbvia demais, você consegue comprar a luta dessas personagens, por isso acho que os três episódios iniciais conseguem explorar bem a personalidade delas criando certo vínculo com quem assiste.
O roteiro escrito por Estela Renner e Marcos Nisti, juntamente com sua equipe de roteiristas segue a cartilha de séries do gênero, um mistério principal que vai sendo revelado aos poucos através das protagonistas, enquanto movimenta a trama em lugares diferentes (Cari, São Paulo e Brasília) transformando o enredo num thriller investigativo e às vezes até numa trama de gato e rato entre mocinhos e bandidos, estes últimos bastante espertos, um bom exemplo disso é a introdução de Olga interpretada por Camila Pitanga (ótima), advogada, lobista e sofisticada que da muito trabalho para a ONG Aruana durante toda a série.
Se a pegada investigativa é um dos pontos fortes de Aruanas, a parte política e a trama corrupta que acontece em Cari alimentam bem toda a narrativa também, porém como todo seriado, tem aquele momento que a trama relaxa demais e neste caso, a série começa a evidenciar seus pontos baixos. No episódio “Advocacia” (1×04), percebemos a trama ambiental desacelerar um pouco e os dramas pessoais se sobreporem ganhando foco no texto, é claro que é importante que isso ocorra para gerar certa empatia, mas devo confessar que a trama de traição envolvendo um triângulo amoroso entre o marido de Natalie e sua melhor amiga Verônica não funciona e é bastante desinteressante, algo que só vai ser contornado depois, ainda assim fica evidente a falta de química entre Amir, Natalie e Verônica, acredito que o ator Rômulo Braga não se mostra seguro no papel, apenas reagindo sem muita emoção ao que acontece em cena.
Outro ponto que me incomodou no mesmo episódio, foi o arco de Clara, que começa até bem no piloto mostrando que o roteiro iria dar espaço a um assunto importante que é a questão da violência doméstica e relacionamentos tóxicos, porém tudo é tocado de forma muito superficial e acaba de maneira abrupta parcialmente no episódio cinco. A atriz Thainá Duarte sofre para acertar seu tom como Clara, que às vezes falta demonstrar mais personalidade e força, a fragilidade da atriz é palpável, mas assim como Rômulo, senti uma atuação bastante contida em momentos que deveriam ser o melhor dela na série, acredito que talvez isso seja atribuído também a um problema de direção.
No episódio “Weiras” (1×05), o seriado retoma o foco e começa a afunilar seus arcos, ao mesmo tempo em que introduz novos perigos para as protagonistas. A série Aruanas não se apoia em panfletagem para se promover, ainda que reforce o apoio com pé na realidade no piloto citando grandes ONGs como Greenpeace e mande seu recado de forma clara no final da temporada, as mentes por trás da série escolhem demonstrar na prática o trabalho sério e muitas vezes perigoso que estes ativistas enfrentam em seu dia a dia com causas complexas que envolvem muitas vezes pouco apoio e a resistência até mesmo da sociedade civil, aqui representado pelos habitantes de Cari, que sofrem na pele os efeitos das ações predatórias e devastadoras do garimpo ilegal.
Um dos méritos deste seriado é demonstrar que nada é simples no trabalho de um ativista, que muitas vezes funciona também como um defensor dos direitos humanos, mas que às vezes tem que até burlar a lei como forma de exercer suas funções de expor ilegalidades e o desejo ganancioso de grandes empresários em desmatar sem medir as consequências. Citando mais sobre efeitos colaterais, a série não poupa o expectador de mostrar as consequências do desmatamento e do garimpo ilegal, tanto para as comunidades ribeirinhas, quanto para as comunidades indígenas que se veem indefesas no meio de uma disputa por espaço com uma grande mineradora, a cena em questão inclusive quando acontece é bastante emocionante e triste.
A série ganha força nos episódios “Trambique” (1×06) e “Maior Que o Medo” (1×07), onde as tramas são bem movimentadas e os ganchos funcionam de maneira cirúrgica para potencializar os desfechos que estão por vir. O elenco coadjuvante neste ponto da trama ganha mais espaço, a verdade é que os personagens André (Vitor Thiré), Pontocom (Ravel Andrade), o antropólogo Gregory Melloy (Gustavo Vaz) e Falcão (Bruno Goya) são boas adições e suportes reforçando o grupo que compõe a ONG Aruana.
A reta final da temporada é bem amarrada na maior parte do tempo, mesmo que em alguns momentos o roteiro insista em trazer o drama pessoal das protagonistas a tona novamente correndo o risco de perder a mão da narrativa em meio à ação, ao menos as atuações firmes de Leandra Leal, Taís Araújo e Débora Falabella garantem que tudo não caia num grande dramalhão exatamente porque suas personagens foram bem construídas ao longo da série, o que fica evidente no episódio “Cinzas” (1×08), onde as tramas convergem em um ponto de desfecho. Vale destacar que, por mais que tenha minhas ressalvas quanto a Clara (a trama da prostituição infantil ainda que importante, não foi bem executada dentro da narrativa e ficou superficial), neste episódio em particular eu gostei, o depoimento que sua personagem faz funcionou, neste momento percebi que Thainá Duarte tem potencial para crescer dentro do papel.
É importante destacar que a construção dos vilões da trama é muito bem feita e mostra uma teia de conspirações e manipulações políticas que vão desde a corrupção da polícia de Cari, passando pela conveniência dos grileiros em manter seus trabalhos, até os altos escalões dos poderes em Brasília com lobistas facilitando e abrindo brechas dentro da esfera política visando lucro de grandes empresas em territórios de proteção ambiental. A crítica aqui é pesada, tanto ao governo, quanto aos órgãos públicos, a série não se contém ao mostrar a culpa dos verdadeiros responsáveis e como as leis ainda precisam melhorar para proteger as riquezas naturais brasileiras.
No ápice da história, nos episódios “Eldorado” (1×09) e “Sementes” (1×10), o toque de mestre de Estela Renner e Marcos Nisti no roteiro e na direção foi separar os desfechos, enquanto o primeiro encerra o arco de Cari de forma bastante eletrizante focando na ação, o episódio seguinte foca em pegar os peixes grandes, tudo feito de uma forma exemplar e bastante competente deixando ainda um gancho para uma possível segunda temporada.
Em um aspecto geral, Aruanas é uma boa série, que tem uma mensagem forte por trás da sua trama e diversas críticas sociais e políticas, mas acima de tudo é uma série que além de entretenimento, vem para alertar de uma forma clara e direta. O maior trunfo do seriado é saber construir bem o papel do ativista na proteção do meio ambiente e na garantia dos direitos humanos para que o público entenda exatamente o papel do mesmo, mas que também compreenda que elas são pessoas, seres humanos que lutam por uma causa, o roteiro transforma essas mulheres fortes e competentes em heroínas e tudo ganha ainda mais credibilidade com as atuações excelentes de Taís Araújo, Leandra Leal e Debora Falabella.
É claro que a série possui suas ressalvas quando deixa as tramas paralelas tomarem conta da trama principal prejudicando o ritmo, ou quando abraça os clichês se tornando piegas demais, porém fica claro a competência e os esforços dos envolvidos na série em entregar um produto de qualidade, a fotografia é deslumbrante e muito bem captada principalmente nas cenas da floresta Amazônica, a trilha sonora com músicas tipicamente brasileiras é muito boa, mas no final das contas é importante entender a mensagem ambiental, de preservação e quem está disposto a dar a vida para proteger aquilo que vai garantir o futuro da vida no planeta e neste ponto Aruanas como seriado dá show.
Engenheiro Eletricista de profissão, amante de cinema e séries em tempo integral, escrevendo criticas e resenhas por gosto. Fã de Star Wars, Senhor dos Anéis, Homem Aranha, Pantera Negra e tudo que seja bom envolvendo cultura pop. As vezes positivista demais, isso pode irritar iniciantes os que não o conhecem.