Máquinas Mortais – Um clichê ambulante

Baseado na série de livros de mesmo nome, criada por Philip Reeve e publicada em 2011, Máquinas Mortais (Mortal Engines, 2018) se passa em mundo pós-apocalíptico em que cidades inteiras foram transformadas em veículos – as Cidades Tração – exploram os recursos naturais do planeta e consomem umas as outras. Apesar de ter um conceito, no mínimo, curioso, todo o marketing do filme foi baseado no fato de que seria produzido por Peter Jackson, marcado para sempre como o diretor que conseguiu adaptar O Senhor dos Anéis para os cinemas. Entretanto, as similaridades com a trilogia do anel acabam no nome do cineasta, infelizmente.
No filme acompanhamos a história de Hester Shaw (Hera Hilmar), que se aproveita de um ataque da Cidade Tracionada de Londres à uma cidadezinha menor para se infiltrar e promover um atentado a uma figura importante do local. Mas, temos também a história de Tom Natsworthy (Robert Sheehan), que é atirado para fora de Londres durante o mesmo ataque. O filme é sobre essa heroína, só que também é sobre ele e enquanto ficamos um pouco perdidos no meio desse caminho, sem saber direito no que focar, perde-se a oportunidade de explorar o que realmente é instigante no filme, o background.
 
 
Mesmo sem acesso ao material fonte, dá pra notar que o mundo é muito vasto e que existe uma preocupação em desbravá-lo. Tendo isso em vista, é seguro dizer que o cinema talvez não tenha sido a melhor escolha para fazer essa adaptação. Pelo menos não do jeito que foi feita. Falta tempo para se fazer o que se propõe. Os personagens não são carismáticos e não geram empatia imediata no público, suas apresentações e construções são rápidas demais, como tudo o mais que acontece no filme. A culpa não é dos atores, mas da construção da narrativa mesmo. Só para ilustrar: em dado momento, Tom tem um forte impulso de carinho e proteção pela cidade em que cresceu, Londres, e teme por ela e pelas pessoas que nela vivem, a trilha sonora sugere que deveríamos estar sentindo o mesmo que Tom, ou pelo menos que deveríamos nos apiedar dele. Mas, em nenhum momento foi estabelecido um momento em que pudéssemos ver essa relação dele com a cidade ou mesmo com as pessoas dali. Muito pelo contrário, Londres é a “cidade antagonista” da história. Fica difícil para o espectador se colocar no lugar de um personagem sem ter passado por algumas coisas com ele, toda a carga emocional fica a cargo dos diálogos e, sejamos francos, recurso mais fraco que esse não há.
Além dos diálogos expositivos (e até mesmo narrações expositivas!), o roteiro também funciona baseado em conveniências grotescas, críticas nada sutis (o que também é um problema de roteiro), tudo isso mostrado pelo olhar de Christian Rivers, figurinha já carimbada nos filmes de Peter Jackson, mas na equipe de arte, aqui ele está estreando na função de diretor de longa-metragem. É até compreensível, portanto, que algumas das suas escolhas estéticas sejam um tanto quanto duvidosas.
Mesmo que eu não tenha feito parecer muito, o filme não é de todo ruim, o valor de produção e o mundo que serve de plano de fundo realmente te seguram ao longo da exibição. Além de ser uma aventura redonda e que pode sim, ser divertida. Principalmente se você for sem nenhuma expectativa a respeito dela. (Ou seja, esqueça completamente o marketing que tenta fazer uma relação com O Senhor dos Anéis para fazer parecer que o filme terá o mesmo nível de qualidade)
É uma pena que no frigir dos ovos, Máquinas Mortais seja um grande montante de potencial desperdiçado. Tem um mundo interessante nas mãos e um visual assertivo, mas parece o resultado de se misturar Star Wars, Mad Max, cyberpunk/steampunk e uma porção de clichês num liquidificador. Mesmo que, se vistos separados, pareçam bons ingredientes, juntos e feitos de qualquer jeito, não são nada fáceis de engolir.