Nesta quinta (13) a Warner/DC faz sua próxima jogada neste tabuleiro confuso e mal planejado que é seu universo compartilhado de super-heróis com Aquaman (2018), dirigido por James Wan, que, exatamente por conta da má recepção de seu predecessores já não gerava muitas boas expectativas, com a maioria dos fãs desejando que o filme pelo menos não fosse tão ruim quanto os outros. E apostando numa mudança de ares, tendo em vista a relativa aceitação de Mulher-Maravilha (Wonder Woman, 2017) (mais por seu protagonismo feminino do que pela sua qualidade técnica), e o absoluto sucesso de sua maior rival nos cinemas, o estúdio decide por uma obra que parece se opor completamente aos primeiros filmes deste universo, mais escuros, sérios e melancólicos, optando agora por quase infantilizar as aventuras do rei de Atlântida ao ponto de parecer que estamos vendo um filme de contos de fadas, ou, quando muito, um filme de super-heróis antes da era dos filmes de super-heróis que estamos vivenciando.
O roteiro de David Leslie Johnson-McGoldrick (esse cara precisa pensar num nome artístico melhor) e Will Beall escolhe iniciar o filme com uma enfadonha história de origem, o que é até justificado quando se leva em consideração que não estamos falando de um herói tão conhecido do público em geral, como Batman ou Homem-Aranha. No entanto, é já nestes primeiros minutos, quando assistimos à clássica história de um casal de mundos diferentes que acidentalmente se apaixonam num amor proibido e impossível, dando origem ao herói destinado a unir estes mundos, que percebemos que teremos que acompanhar um enredo exageradamente cafona. E desde já, preciso afirmar que ser cafona não necessariamente quer dizer ser ruim, já que temos vários exemplos de filmes bregas que sabem utilizar deste espírito para construir uma narrativa interessante e divertida, mas, mesmo que possa não parecer, isto é algo dificílimo de fazer por conta da fragilidade que divide esta “cafonice saudável” e a “breguice exagerada e vergonhosa”.
Dito isto, tenho que dizer que, infelizmente, Aquaman não consegue de forma alguma dosar esta cafonice, tanto a nível de roteiro, que de tão bobo e linear, parece duvidar da capacidade mental dos fãs de filmes de super-heróis e do público que o filme deseja atingir, quanto a nível visual, construindo bonitos cenários nos vários ambientes que os protagonistas precisam passar para derrotar o temível vilão, mas que não passam de exageros visuais que parecem feitos para tirar a atenção do espectador para a história pífia que estão acompanhando. Até mesmo a direção de Wan é cheia de firulas desnecessárias que só existem para causar um possível impacto, como um fade que transforma um farol em miniatura em um farol real, ou um plano circular ao redor do protagonista mudando o tempo da narrativa, mas que parece nunca acabar causando nada mais do que tontura no espectador, e ainda que seja eficiente nas sequências de ação, talvez por sua experiência recente na franquia Velozes e Furiosos, o diretor parece sempre não saber muito bem o que fazer com um filme tão grandioso nas mãos, tendo que inventar movimentos de câmera e efeitos que não seriam exatamente necessários ou funcionais.
Sobre os personagens e as tramas em que estão envolvidos, eu poderia compará-los a algumas peças shakespearianas, por se tratar de uma história de intriga familiar de uma nobreza lendária de Atlântida, mas prefiro compará-los a um livro infantil de contos de fadas daqueles que são os mais básicos possíveis, pois são destinados a crianças sonolentas em seus leitos. Não há nenhuma surpresa nas ações de todos os personagens, desde os protagonistas aos vilões, parece que já vimos aquela história mil vezes antes, pois não percebemos uma motivação forte em nenhum deles, mesmo que o destino de dois mundos, o submarino e o da superfície, esteja em jogo.
Jason Momoa é fisicamente perfeito para esta versão moderna do herói, de porte físico inigualável e voz grave que faz arrepiar, é bonito vê-lo nadando e socando monstros marinhos, mas é preciso lembrar que ele é o protagonista do filme, e não mais apenas um questionável alívio cômico como o foi em Liga da Justiça (Justice League, 2017), o que jamais consegue entregar, me fazendo querer em muitos momentos que o filme se focasse mais em sua acompanhante Mera (Amber Heard), muito mais inteligente e decidida em suas ações, construindo uma personagem feminina forte e que logo desperta um carisma e um ânimo que seu companheiro mestiço nunca encontra, se valendo de piadas vergonhosas e frases de efeito dignas do super-herói machão e de coragem inabalável que os roteiristas parecem tentar produzir. É fácil querer comparar o protagonista ao que parece ser sua versão Marvel, o deus do trovão Thor, mas logo esta vontade se esvai quando percebemos que enquanto o timming cômico de Chris Hemsworth, além do peso dramático carregado por seu personagem, são desenvolvidos e bem trabalhados em todos os filmes que aparece, não conseguimos ver ao menos uma possibilidade de uma mesma evolução deste tipo na interpretação do personagem de Momoa.
Ainda sobre os personagens, é extremamente problemático, em um filme que já carrega tanta responsabilidade em apresentar um novo universo com novas regras e um novo background que é Atlântida, introduzir um vilão clássico do herói como o Manta (Yahya Abdul-Mateen II) que, mesmo com bastante tempo de tela e um arco dramático próprio (ainda que bobo), tenha a única utilidade de que exista uma ameaça do mundo da superfície ao reino de Atlântida, sem praticamente nunca contribuir para a narrativa central a não ser para servir de capanga do verdadeiro vilão, o Rei Orm (Patrick Wilson), em seu plano de dominação do planeta, acabando por ser uma enorme barriga no filme e um desperdício de um personagem interessante no futuro (coisa que este universo da DC já fez outras vezes).
Por fim é impossível não comentar a trilha sonora do filme, tanto a original quanto as músicas introduzidas, que são muito coerentes com o filme por se mostrarem uma verdadeira confusão que nunca consegue criar uma identidade sonora minimamente interessante para o longa. Enquanto nas partes de contos de fadas, quando assistimos às origens conturbadas do herói ouvimos uma música melosa ao nível Disney, em alguns momentos de ação, já no fundo do mar, somos atingidos por uma trilha meio tecnológica, talvez para destacar a moderna sociedade Atlânte. O sentimento é de que estamos saltando de um filme para o outro chegando ao ponto de, em certo momento, nos acharmos numa comédia romântica no ensolarado litoral da Sicília ao som de uma música feliz e uma vibe meio “filme que passa na TV num sábado à tarde”, quando um pouco antes estávamos numa aventura pelo deserto do Saara, adentrando ruínas misteriosas e saltando de aviões em pleno deserto.
O filme é cheio de furos e situações que nos tiram completamente da credibilidade que uma fantasia necessita construir, e as frases melosas e cafonas que todos os personagens verbalizam em algum momento da película, apenas cooperam para que este se torne um festival de vergonha alheia difícil de tolerar. Para mim, Aquaman é a pá de cal final que enterra este universo cinematográfico da Warner/DC e me dá uma esperança de que o estúdio reconheça seu fracasso e tente uma real mudança futura para seus filmes, mais bem planejadas e com mais calma. E é triste pensar que já temos mais dois filmes confirmados e gravados para os próximos anos, Shazam! (5 de abril de 2019) e Mulher-Maravilha 1984 (5 de junho de 2020), além de outros prováveis fiascos planejados para o futuro.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.