Os Crimes de Grindelwald são “Para Um Bem Maior” ?

– SPOILERS –

 

JK Rowling, autora da série de livros de Harry Potter e agora roteirista de seus spin offs cinematográficos, Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them, 2016) e o recente Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald (Fantastic Beasts: The Crimes of Grindelwald, 2018) (além de mais três continuações já anunciadas), sempre foi bastante clara sobre o viés político e revolucionário que suas obras continham. O combate ao preconceito de raça e de classes, a busca pela compreensão do que é diferente, a luta pelas liberdades individuais, tudo sempre esteve lá e muitos leitores e expectadores receberam estas importantes lições de vida entrelaçadas às aventuras de Harry, Rony, Hermione e companhia na luta para combater o bruxo das trevas, Valdemort.
Ao sair da literatura para o cinema Rowling, agora como roteirista, segue a mesma linha de pensamento e, além de expandir o riquíssimo universo mágico que criou em Harry Potter, através das aventuras de Newt Scamander (Eddie Redmayne) e sua interminável pesquisa e defesa pelos animais fantásticos que dão nome à saga, a autora faz uso de uma história que aparece apenas como plano de fundo no último livro da série, As Relíquias da Morte. A história de como, nos anos 30 e 40, o poderoso bruxo das trevas Gellert Grindelwald, através de um discurso supremacista, forma um exercito e inicia um reinado de terror em quase todo o continente europeu.

No primeiro filme da franquia Animais Fantásticos, JK Rowling já nos dá uma primeira mostra de que Grindelwald está em vias de colocar seus planos em prática ao tentar se apoderar do Obscurus, um ser que nasce da magia acumulada de bruxos retraídos que temem sua própria natureza ou o estranhamento/preconceito que esta levantará nas pessoas “normais”. Assim, somos apresentados a Credence (Ezra Miller), um órfão que guarda dentro de si um poderoso Obscurus, que ao fim do filme é dado como morto. Grindelwald, por sua vez, é capturado e preso pelo MACUSA (o Ministério da Magia Americano).
Desde aí já sabemos que Grindelwald será o grande vilão da franquia e que, através do ponto de vista de Newt Scamander e seus companheiros, acompanharemos sua ascensão e de seu exército de seguidores até a famosa batalha com Alvo Dumbledore, seu companheiro na juventude.

Neste segundo filme iniciamos com uma sequência da fuga de Grindelwald do MACUSA quando seria transferido para a Europa e logo percebemos que seu poder de persuasão é uma de suas maiores armas ao trazer um funcionário do Ministério, Abernathy (Kevin Guthrie) para seu séquito de seguidores. Após a fuga, une-se à misteriosa Rosier (Poppy Corby-Tuech) para dar continuidade aos seus planos de dominação bruxa.

E aqui temos o foco deste texto. A metáfora que Rowling cria entre o início do poderio de Gellert Grindelwald e a ascensão do Nazifascismo de Adolf Hitler na Alemanha e seus planos de expansão territorial e ideológica pela Europa é bastante clara. Inclusive as ideias sobre uma raça superior que deve subjugar outros povos “para um bem maior” coincidem entre a ficção do mundo bruxo e a realidade, como também a época em que ambos os eventos, o real e o fictício, acontecem são equivalente, findando com a derrota nazista em 1945, mesmo ano em que Grindelwald deve travar seu famoso duelo com Dumbledore. E até mesmo o figurino preto de Grindelwald lembra muito o uniforme da SS, o grupo paramilitar que era o braço armado do partido nazista alemão.

No entanto, apesar de alguns escorregões técnicos no roteiro, JK, como sempre, tem a sagacidade de não deixar a metáfora apenas no plano do passado e traz à tona uma discussão extremamente atual, o reaparecimento de ideias de uma direita ultraconservadoras, que muitas vezes flerta com a escalada assustadora de um neonazismo, baseado em preconceito de raça, gênero e classe. Esta retomada, que pôde ser claramente observada na Europa e nos EUA, mesmo antes do governo de Donald Trump, mais recentemente têm mostrado mais veementemente as caras aqui pelo Brasil, com o discurso de ódio e preconceito esbravejado aos quatro ventos pelo, agora infelizmente eleito, candidato Jair Bolsonaro.

O fascínio por uma ideia de mudança ou melhoria disfarçando a real intenção de retorno a um tempo onde as liberdades das minorias, a tanto custo conquistadas, ainda eram negadas são a palavra de ordem dos discursos tanto de Grindelwald como de Bolsonaro, claro que com os devidos diferenciais. Grindelwald se utiliza de um certo charme e calma para fazer nascer a paixão em seus seguidores, enquanto Bolsonaro parte para uma maior agressividade que desperta em muitos de seus fãs um impulso perigosamente violento. Mas o que ambos tem em comum é o disfarce de suas reais intenções. Nos últimos dias de sua candidatura Jair Bolsonaro percebeu que maneirar o seu linguajar preconceituoso seria mais vantajoso e o levaria a vitória mais facilmente, ajudado pela enxurrada de notícias falsas que tiveram vez em sua campanha. Assim, o então candidato passou a “tolerar” pessoas LGBT, negros e pobres (e nordestinos) tentando mudar a imagem hostil que havia criado para si até ali. Da mesma forma Grindelwald, que em sua adolescência, após ser expulso da escola de magia de Durmstrong, envolveu-se com artes das trevas na busca pelas lendárias Relíquias da Morte citadas no último livro da série, passa a portar uma má reputação na comunidade bruxa, mas mesmo assim, consegue voltar à tona, através de um discurso apaziguador onde deixa claro que sua intenção não é exterminar os trouxas ou no-majs, mas colocá-los em seu devido lugar de inferiores, onde seriam, inclusive, úteis como serviçais. Se vale, assim, da situação em que os bruxos precisam viver, escondidos, para não causarem o medo, e com ele, a intolerância e a raiva dos humanos não mágicos, como já havia sido apresentado no primeiro filme através da Sociedade Filantrópica Nova Salém, liderado pela mãe adotiva de Credence, Mary Lou (Samantha Morton).

Com isto, ao falar que não há ódio em suas ideias, mas sim na intolerância dos trouxas, que invariavelmente irão destruir a si mesmos levando com eles o mundo bruxo, Grindelwald leva dezenas e depois centenas de bruxos, alguns até bem intencionados, como é o caso de Queenie (Alison Sudol), a se deixarem levar por estas ideias. E é incrível como Rowling nos faz pensar o que levaria vários bruxos a se aliarem a tais ideais, especialmente se utilizando da figura de Credence, deixando claro que as intenções de Grindelwald para com o jovem não diziam respeito apenas a seu grande poder, mas também como uma figura que simbolizaria suas ideias e intenções.
Desta forma, mesmo que não tenha sido exatamente bem sucedida em manejar o roteiro do filme como gostaria, é muito bom ver que JK Rowling permanece firme em demonstrar que o universo mágico que criou não é apenas uma fabulação divertida para passar o tempo, é muito mais do que isso, uma forma de resistir às intempéries do preconceito e da tirania, uma forma de nos alertar dos perigos de discursos como o de Bolsonaro e o de Donal Trump, entre outros.