Bohemian Rhapsody (2018) é um filme dirigido por Bryan Singer, mesmo diretor da franquia dos X-Men (2000 – ) e do controverso Superman: O Retorno (Superman Returns, 2006). No seu mais recente filme, ele se propõe a contar a história de uma das maiores bandas de rock existentes (a maior na minha opinião) e de seu vocalista e, consequentemente, protagonista do filme, Freddie Mercury.
O filme por si só é desafiador em vários sentidos. A direção e o roteiro teriam que ser bastante cuidadosos na sua execução: ao mesmo tempo que deveria agradar os fãs, ele deveria trazer elementos próprios para sua sustentação quanto obra audiovisual. É justamente nesse último ponto que o filme fracassa. O filme tenta, em pouco mais de duas horas, abarcar 21 anos da banda. Literalmente ele começa em 1970 e termina com o show do Live Aid em 1985, em seguida, aparecem com os letreiros finais explicando que, em 1991, Freddie Mercury morreu por consequências do vírus da AIDS. Logo nos primeiros minutos é perceptível o problema de ritmo do filme. As coisas acontecem rápido demais. A sensação que fica é que muita coisa foi atropelada da edição. É um negócio tão descompensado que não fica claro a ascensão da banda durante a década inicial dos anos 70. Além de um claro problema de cronologia, como shows que aconteceram em datas diferentes daquelas citadas no filme, por exemplo, o show do Rock in Rio que aconteceu em 1985, no filme deixa subentendido que ocorreu no final da década de 70.
Outro problema, os personagens ficam falando o tempo todo que são uma família, talvez seja a frase mais repetida do filme, o problema é que isso não é aprofundado. É um recurso pobre da narrativa fazer o personagem verbalizar isso ao invés de mostrar. Seria muito mais interessante, por exemplo, ao invés dessa repetição constante dessa afirmação, uma cena bem gravada mostrando a interação deles em um ambiente em que não seja: festa, briga ou gravando. Eu não consegui compreender eles como uma família ou o conceito de família que eles queriam. Até mesmo as turnês, ambiente propício para desenvolver a relação entre os membros da banda, foram super rápidas aqui.
O filme tem classificação indicativa de 14 anos, eu até entendo a produção ter baixado a classificação para essa idade, assim seria possível atrair um público mais jovem para o cinema e consequentemente ter uma renda maior de bilheteria, contudo isso transforma o filme, ele fica um pouco conservador e romantizado demais. Talvez um aumento da classificação indicativa para 16 ou até mesmo 18 anos pudesse dar ao filme toda a carga dramática que ele precisava, com todos os surtos, brigas e exageros que fossem necessários para retratar de fato um pouco do que foi a banda e Freddie naquela época. O filme é soft em vários sentidos e não é possível sentir peso em determinados acontecimentos que mereciam mais destaques. Outro ponto é que ele é muito preso em uma fórmula, enquanto seus protagonistas afirmam que Queen é uma banda que se vende por ser diferente de todas as outras bandas, o filme segue uma linha de pensamento bem formulaico, inclusive verbalizada por um dos executivos da música que afirma que ele gosta de fórmulas, pois elas funcionam, claramente não funcionaram com esse filme.
Antes de continuar falando dos defeitos do filme, cabe aqui alguns elogios: duas coisas já ficam bem escancarados no início do filme e se perpetuam durante toda a película, são a direção de arte e fotografia. A arte do filme consegue retratar todas as passagens de tempo, seja por meio das roupas dos personagens, dos carros, dos penteados, da maquiagem. Se o filme possui um problema de ritmo por conta da montagem, o que ajuda a minimizar isso é a direção de arte que possibilita o espectador situar no filme o momento histórico no qual ele está inserido. Outro ponto que merece destaque é a fotografia, seja pela iluminação ou opções da decupagem, o filme está visualmente muito interessante e os enquadramentos estão iguais as fotos e os vídeos do Queen. Percebe-se que houve um zelo muito grande por parte da equipe de fotografia para uma reprodução ou homenagem de momentos icônicos da banda.
Quanto às atuações, elas estão funcionais. Cada personagem tem sua personalidade e elas são diferentes, não à toa, existem diversos conflitos durante o filme. Rami Malek entrega um Freddie Mercury interessante, embora fisicamente não seja igual ao cantor (passa longe na verdade), ele se esforça e se entrega ao papel, isso fica claro. Contudo sua atuação é muito prejudicada por um recurso que o filme usa e que limita demais as ações de seu ator protagonista: a dublagem. É certo que seria impossível reproduzir a voz de Mercury, mas o filme opta por um recurso que é interessante, mas não bem executado. Não foram poucas vezes que a sincronia não batia, o ator cantava e sempre havia alguns segundos de delay entre sua boca e o som, algumas vezes era imperceptível, outras ficava claro, sem falar na nítida e perene sensação (no caso certeza) que a voz que saía da boca dele não lhe pertencia, muito desse sentimento foi agravado pela escolha de planos mais fechados do seu protagonista.
O que salva o filme é seu arco final, momento único do filme em que as músicas são tocadas quase na íntegra (sim até os últimos 20 minutos não houve a execução de uma música completa sequer). É uma apoteose. Ouvir Queen é quase ouvir a voz de deus (se você acreditar nele). A sala de cinema inclusive potencializa ainda mais esse momento, é lindo e emocionante. Ao terminar o filme, eu fiquei com uma sensação indiferente, no geral eu não gostei, pelos motivos já explicados, mas ouvir aquelas músicas no final certamente me fez gostar mais, não pelo filme que não tem sustentação, mas pela música e pelo Freddie Mercury. Bohemian Rhapsody é um filme soft e conservador, que não se aprofunda em quase nada no caminho até o show final. A sensação que fica é que a ideia foi mal aproveitada e mal executada (nada de novo para quem acompanha os filmes do Singer), mas que se salva por ter como material fonte a maior banda de rock de todos os tempos e o maior vocalista desse estilo musical que já viveu no planeta.
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.