Há exatos 20 anos, José Saramago recebia o prêmio Nobel de Literatura da Academia Sueca. O primeiro até então e único até hoje em língua portuguesa. Sua laureação foi comemorada pelos países lusófonos como reconhecimento não só da literatura de seu autor, mas como força da língua.
Embora saibamos que a escolha do prêmio Nobel passe por diversas questões, sobretudo políticas, a escolha do escritor português até então com 75 anos reflete uma justiça com a língua portuguesa que, ao longo do século XX, já merecia ser laureada. A obra de Saramago é extensa, conta dezoito romances, três livros de poemas, peças teatrais e diversos outros livros de contos, crônicas, diários de viagens etc. Dono de uma capacidade extraordinária de contar uma história, o autor desenvolveu um estilo próprio que recebe um falso adjetivo de ser difícil, mas que a medida que se lê percebe-se a tamanha facilidade em sua narrativa por meio de sua oralidade, como um velho avozinho que conta histórias ao seu neto curioso. Inclusive, se pescarmos de seu discurso do prêmio Nobel, Saramago reafirma a importância dos seus avós Jerónimo e Josefa durante sua infância.
Saramago sempre teve uma consciência de classe, assumidamente comunista e ateu, seus livros a partir da década de 1980 caminharam para um estilo próprio. Sua literatura sempre foi crítica e irônica. Sua linguagem que propositalmente abomina alguns sinais de pontuação alinhado com seu discursos politizado concebem uma das obras mais críticas ao mundo contemporâneo, diversos pontos e questões são abordados para reflexão e uma autoanálise de nossa sociedade. É possível identificar claramente duas maneiras em que ele trabalha isso. A primeira por meio da retomada do romance histórico, aquele gênero que ficou conhecido durante o período do romantismo no século XIX, que consiste em pegar um fato histórico real com personagens reais ou fictícias e desenvolver uma ficção em cima deste fato. O segundo é por meio de suas alegorias e parábolas, no qual há um distanciamento do ser humano como pessoa, os nomes próprios são abandonados e as pessoas passam a ser chamadas por aquilo que as caracteriza: o Médico, a Morte, o Violoncelista etc… Assim, é possível trabalhar e demonstrar por meio de grandes metáforas o quanto nossa sociedade está corrompida. Embora assumidamente pessimista, os romances de Saramago conservam uma ponta de esperança para a humanidade.
Em seu discurso, além de expor a importância dos avós em sua formação, Saramago faz um regresso às suas obras já lançadas e aos escritores de língua portuguesa que foram importantes para sua formação. Nomes como Luiz Vaz de Camões e Fernando Nogueira Pessoa foram de fundamental importância para o jovem Saramago em suas leituras à biblioteca. Esse ponto é interessante, apesar do único Nobel de língua portuguesa ser de Saramago, ele carrega consigo toda uma língua seja por meio de suas influências ou leituras do cotidiano, um escritor sempre é resultado daquilo que ele lê. Após o prêmio, Saramago escreveu muitos outros romances e peças, deu palestras sobre literatura e direitos humanos, teve uma fundação com seu nome erguida que assegura a todos que sua obra será sempre posta a uma geração adiante.
Uma de suas obras também foi adaptada para o cinema, O Ensaio Sobre a Cegueira virou filme em 2008 com direção do brasileiro Fernando Meireles, este que havia dirigido Cidade de Deus agora era responsável pela adaptação de um dos mais famosos romances do escritor, a história conta como toda a humanidade ficou cega, uma cegueira branca “cor de leite” e como somente uma mulher não ficara e sofria por ver toda a decadência da raça humana. O filme participou da seleção oficial do Festival de Cinema de Cannes, em 2008, sendo o filme de abertura. O diretor Fernando Meireles abriu um blog chamado Diário de Blindness (título original do filme), contendo os bastidores da produção bem como fotos de set e curiosidades.
Por fim, cabe ressaltar o legado da obra de José Saramago, não só para a literatura em língua portuguesa ou para as artes de uma forma geral, mas, sobretudo, pelo caráter humanitário de seus personagens, sempre pessimistas, mas com um um fio de esperança; por tentar mostrar que a humanidade pode ser boa e melhorar em diversos aspectos lembremos “é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, se não saímos de nós próprios”
Bônus: Um pequena lista dos meus 5 livros favoritos do escritor português.
1. As Intermitências da Morte (2005)
2. Memorial do Convento (1982)
3. Ensaio Sobre a Cegueira (1995)
4. O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991)
5. A Viagem do Elefante (2008)
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Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.