RESENHA | Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito, de Fernando Reinach

Fernando Reinach é um biólogo brasileiro, autor de “A Longa Marcha dos Grilos Canibais”. Entre 2010 e 2017, publicou pequenas crônicas semanais no jornal O Estado de São Paulo, que, posteriormente, foram reunidas nesse livro. São crônicas curtas, simples e didáticas a respeito do comportamento dos seres vivos, que fazem todo amante de biologia se encantar. O livro é dividido em sete partes de acordo com os temas dos textos: plantas e florestas; insetos; outros bichos; pássaros e macacos; Homo sapiens; mente; sexo. O autor consegue fazer você aprender se deliciando com cada crônica. Até mesmo se você é como eu que não curte muito o mundo dos insetos, por exemplo.
E o melhor é que cada crônica é baseada em um artigo científico que é referenciado ao final do texto. Então, se você também é como eu que só acredita no que tem evidências científicas, vai ser uma leitura riquíssima. Na verdade, cada crônica é como se fosse um resumo do artigo que está na referência, com explicação de como foi todo o processo de desenvolvimento do estudo.
“O processo todo leva milésimos de segundo. A pressão na cápsula antes da explosão é de 400kPa, quase o dobro da pressão de um pneu de carro. Quando a tampa se rompe, os esporos sofrem uma força 36 mil vezes maior que a da gravidade, quase duas mil vezes mais que a maior força a que um astronauta é submetido quando um foguete decola ou uma nave espacial entra na atmosfera. Essa força enorme faz os esporos atingirem 120km/h em menos de 0,1 milissegundo (um carro esporte leva quase três segundos, 30 mil vezes mais tempo, para atingir a mesma velocidade), o que resulta em uma aceleração máxima de 360 mil m/s².”

Os textos sempre se relacionam com a realidade do ser humano, tentando, muitas vezes, explicar comportamentos nossos que não sabemos justificar.

“Dentro de todo ser vivo, seja ele um animal ou um vegetal, reside um forte desejo imperialista. Seu objetivo é espalhar descendentes por todo o planeta. O Homo sapiens deixou a África e ocupou o mundo; o milho, pelas mãos do Homo sapiens, conquistou os continentes a partir do México. Os dinossauros vagavam por todos os cantos do mundo antes de se extinguirem. Essa ambição imperialista só é contida quando a espécie encontra ambientes em que não consegue prosperar, ou porque não está adaptada às condições climáticas, ou porque se defronta com outros imperialistas com os quais não consegue competir. Cada metro quadrado do ecossistema é disputado palmo a palmo por uma fração da enorme diversidade de seres vivos que habita o planeta.
 
O conjunto de estratégias usadas para conquistar novos ecossistemas é enorme. Enquanto um ninho de formigas produz fêmeas aladas capazes de formar um novo formigueiro centenas de metros adiante, uma ave pode voar até uma nova ilha e tentar estabelecer uma nova colônia. Na Amazônia, o Homo sapiens exerce sua compulsão imperialista derrubando florestas e construindo novas cidades. Essas são rapidamente invadidas pelos mosquitos e, com eles, os parasitas que causam a malária. Todos motivados pelo mesmo desejo imperialista, cada um usando as armas de que dispõe, tentando aumentar o território ocupado por seus descendentes.”
As crônicas nos fazem refletir sobre o avanço da nossa sociedade de humanos sobre as forças adaptativas da natureza e explicam comportamentos e consequências que sofremos e não imaginamos o porquê. Por que, por exemplo, ficar muito tempo sentado faz mal pra coluna se nossa sociedade tem cadeiras em todos os ambientes e a gente aprende a sentar desde bebê?
“Logo de manhã, os meninos chegaram no terraço com as mãos em concha abrigando um passarinho desacordado. ‘Ele veio voando e bateu na janela de vidro’. Com o pássaro sobre a mesa, ponderaram se ele iria sobreviver. Ainda respirava, mas os olhos estavam fechados. Conformado, explicou para os meninos que no mundo em que os pássaros surgiram não existiam grandes painéis de vidro transparentes, invenção recente do Homo sapiens. Suspirou. Era demais: o vidro que permitia que olhasse as jabuticabeiras estava matando passarinhos. […]
 
No final da tarde, […] um grande lagarto, perseguido pelos cachorros, pulou na piscina. […] Pobre lagarto! Sempre soube que para escapar de carnívoros bastava correr para a represa ou para um buraco. Mas essa represa de azulejos é cercada de paredes verticais, e o lagarto andava pelo fundo buscando um plano inclinado que o levasse para o raso e finalmente para fora da água. Inútil; o lagarto nunca havia aprendido a sair de represas com paredes verticais e azulejos lisos. […]
 
Enquanto refletia como algo tão simples quanto as superfícies verticais e horizontais de uma casa é suficiente para atrapalhar a vida dos animais, consolou-se com o fato de pelo menos achar que compreendia o que estava acontecendo. Foi quando se lembrou de que seus ancestrais também não sentavam em cadeiras, quase imóveis, lendo livros. Talvez isso explicasse a dor nas costas e a vista cansada. Lembrou que seus ancestrais foram selecionados durante centenas de milhares de anos para viver em pequenos grupos, caminhando pela floresta, comendo frutas, caçando e observando a natureza.”