Em 2016 um cara chamado Olan Rogers lança em seu blog e canal do YouTube o piloto de uma ideia de séria animada que vinha desenvolvendo havia muito tempo, Final Space seria uma espécie de reboot e atualização de Gary Space, uma animação bem rudimentar que havia lançado em 2010. O piloto de Final Space acabou por sorte chamando a atenção de Conan O’Brien (sim, aquele do talk show) que logo o levou para a TBS (uma das subsidiárias da rede Time Warner) e com sua própria produtora, a Conaco, entra como produtor executivo, realizam um novo piloto, mais bem acabado e mais longo. Nasce assim Final Space.
A premissa da série é, na verdade, bem simples e nada inovadora. Gary Goodspeed é um humano que foi condenado a pagar uma pena de cinco anos enclausurado em uma nave no meio do espaço, tendo como companhia apenas o robô KVN, a inteligência artificial HUE, que controla todo o sistema da nave, uma geladeira e alguns androides guardas genéricos burros, os Sames. Gary (voz do próprio Olan Rogers) é o típico bobão aventureiro espacial (Peter Quill/Starlord em Guardiões da Galáxia ou Philip J. Fry de Futurama) que, faltando poucos dias para o fim de sua pena na nave Galaxy 1, encontra uma simpática criaturinha verde que batiza de Mooncake. Logo descobrimos que a criatura está sendo procurada pelo terrível Lord Commander (voz excepcional de David Tennant). Assim, durante a série outros personagens se juntam aos dois para tentar salvar Mooncake e, claro, o Universo inteiro.
De início a comparação com outras séries que mesclam ficção científica, aventura e um humor ácido (digamos assim) como Rick and Morty (2013 -), Futurama (1999 – 2013) ou Bravest Warriors (2012 -), é inevitável, e totalmente justificada, mas logo se percebe que apesar de poder ser colocada neste mesmo grupo Final Space tenta seguir por um caminho um pouco diferente, ao juntar a essa mistura de gêneros um drama mais acentuado do que é comum nas séries que citei aqui. Este diferencial pode elevar a qualidade da série ou diminuí-la, isto vai depender do que cada espectador está esperando ver. Se você está esperando ver algo bizarro e exagerado, mas inteligente, como Rick and Morty, ou o humor escrachado e no limiar de Futurama certamente não é o que vai encontrar. Final Space, ainda que seja, sim, uma animação adulta (tem bastante violência e piadas moralmente questionáveis), tem um tom mais leve em sua comicidade, com algumas piadas que podem ser consideradas bobas até, exatamente por dar bastante espaço para o lado dramático da jornada traçada pelos personagens.
O problema é que quando o drama entra (e ele é sempre exagerado, acompanhado por uma trilha musical melancólica) ele não consegue nos tocar tanto quanto parece querer. Sim, há momentos levemente emocionantes, mas a série parece não se decidir entre focar no humor ou neste drama, o que acaba por prejudicar ambos. O romance entre dois personagens (que claramente é usado para criar mais algumas piadas) acaba sendo forçado e inacreditável demais, por outro lado a relação de pai e filho entre Avocato e Little Cato e até mesmo a de Gary com Mooncake parecem interessantes, mas muito pouco desenvolvidas. Ás vezes me aprece que se a série decidisse por trabalhar mais o humor em detrimento desta dramaticidade exagerada ela poderia ganhar muito mais, mas seria um risco de parecer mais do mesmo em relação às outras produções do mesmo tipo.
Outro diferencial da série em relação as que citei aqui antes é que ela segue de fato uma narrativa serializada, com episódios que mostram acontecimentos que se seguem para montar uma história única em toda a temporada (10 episódios), ao invés de episódios que têm uma estrutura própria em si com apenas alguns detalhes que enriquecem a história maior. Isto dá uma boa consistência à aventura principal que estamos assistindo.
Todos os principais elementos da ficção científica clássica estão presentes na série, que faz inclusive várias referências à 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968) – a inteligência artificial HUE é claramente um HALL 9000 -, Jurassic Park: Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993), Star Wars e Star Trek, claro, mas geralmente são referências soltas, que não interferem no andar da narrativa (mas que são legais de se ver, vai). Outra obra que é claramente inspiração para a animação é a série O Guia do Mochileiro das Galáxias do genial Douglas Adams (que, diga-se de passagem, é incomparável no equilíbrio entre humor e pessimismo).
O traço da animação (que foi o que primeiro me chamou atenção na série) é belíssimo, exatamente pela simplicidade do 2D (apesar dos enxertos de 3D aqui e ali). E é interessante como é uma animação que, apesar de ter várias cenas de batalhas espaciais com muita ação, cenários destruídos e planetas perigosos, não é suja, muito pelo contrário, todos os elementos do cenário e das personagens são facilmente visíveis e identificáveis, e as cenas de ação são muito bem construídas. O traço é extremamente infantil o que gera uma contradição bem interessante com o tom adulto da série.
Final Space é uma animação que, apesar de alguns escorregões nesta primeira temporada (uma segunda temporada já foi confirmada para 2019), tem bastante potencial a ser aproveitado, com personagens interessantes e divertidos e uma aventura empolgante, apesar de clichê. Talvez ela precise de um tempo pra encontrar seu ritmo e tom certos (temos vários exemplos de séries excelentes, mas que precisaram de um tempo para se encontrar – alô Community). Não digo para ela abandonar o drama e arriscar mais no humor, mas encontrar um equilíbrio melhor entre os dois. Torçamos para que isto aconteça.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.