Foi Sem Querer Querendo – O diário que todo mundo deveria ler

Difícil saber quantas pessoas hoje em dia ainda gostam de Chaves (El Chave del Ocho, 1972 – 1979),  o seriado mexicano, não o falecido presidente da Venezuela.  Aquele criado pelo Roberto Bolaños, que por sua vez é o cara que criou o Chapolin, o Chompiras. Bem, se você não souber quem é o Chaves, dificilmente vai saber quem é Bolaños, então, pra fechar, e deixar mais óbvio impossível, é aquele que fala “foi sem querer querendo”, “ninguém tem paciência comigo”, “tá bom, mas não se irrite” e por aí vai numa sequência de bordões que já têm aí décadas de idade e quase todo mundo já escutou ou falou pelo menos uma vez na vida.
Lembrou?
Então, voltando ao início, eu não sei quantas pessoas, hoje em dia, se consideram fãs do seriado, mas dá para arriscar dizer que (quase) todo mundo conhece pelo menos o personagem: O garoto órfão que vive dentro de um barril, numa vila com pessoas de todos os tipos, que vez ou outra leva uns cascudos de um senhor viúvo.
O mesmo garoto que faz favores para todo mundo, geralmente em troca de uma moeda (ou um sanduíche de presunto), incluindo as senhoras da vila – uma que é sempre chamada de bruxa e outra que é meio esnobe, mas tem bom coração.

O mesmíssimo-síssimo que se diverte com a garotada da vila, um “mocorongo almofadinha” que sonha com uma bola quadrada e uma menina de óculos e sardas, não muito inteligente, mas pra lá de esperta.
Infelizmente (ou será que não?) a mesma criatura que sempre recebe o dono da vila com uma pancada, que pelo menos nunca é intencional, mas que também sempre ajuda o carteiro de Tangamandápio a evitar a fadiga, seja ajudando a entregar as cartas ou só carregando a bicicleta.
O garoto pode até ter se atrasado para a distribuição de cérebros, mas até “crime” já ajudou a resolver, fez ladrão se arrepender de roubar (mesmo que ele próprio já tenha tentado uma beliscadinha na coxinha do frango alheio), lidou com fantasmas e espíritos zombeteiros. Mas o que ele queria mesmo era ter ido ver o filme do Pelé…
Bom, basta assistir “Chaves” uma vez para ter acesso à boa parte dessas informações. Mas, existem outras que ficam escondidas, como pequenos tesouros, em baús carinhosamente pensados e construídos pelo seu genial criador, o Chespirito. E foi num desses “baús” que eu acabei por me enfiar quando finalmente tive a oportunidade de ler O Diário do Chaves, o livro lançado pelo mestre Bolaños na década de 90, com os relatos imperdíveis do próprio Chavito sobre a vida na vila – e antes mesmo dela.

Com ilustrações do próprio autor, o livro só chegou por aqui em 2006, mas ficou por algum (muito?) tempo relegado àqueles que se definem como fãs mais dedicados da série. Sem nenhuma divulgação, ou associações diretas ao personagem, ele acabava meio esquecido nas prateleiras, fino e pequeno em sua edição pocket, procurado por aqueles que, através de pesquisas na internet provavelmente, descobriram sua existência.
Nele, Chaves fala de sua infância, de sua mãe, sobre o tempo que viveu num orfanato, as pessoas que conheceu, os amigos que encontrou na rua, tudo isso antes de chegar à vila. E então, quando ele eventualmente chega, fala sobre as pessoas que encontrou lá (personagens que já conhecemos tão bem), sobre a enigmática casa 8 onde ele morou (menos um ponto para quem achava que ele morava mesmo no barril) e os dias que se seguem no lugar que ele escolheu como casa e onde encontrou amigos tão verdadeiros, que são quase sua família.
Além de momentos e panos de fundo da série pelo ponto de vista do garoto, o livro traz uma bela história, emocionante em várias páginas, sobre um menino órfão que lidou com as mais diversas dificuldades antes mesmo de chegar aos 8 anos de idade.

Se esquecermos por um instante de quem ele fala, podemos apenas ora nos encantar, ora ter vontade de chorar, com os relatos contados. Se quisermos estar cientes o tempo inteiro que ele fala sobre (o) Chaves, vamos nos deliciar com a quantidade de informações novas sobre a série e seus personagens (que, na pior das hipóteses, podem parecer já saturados), descobrindo que, na verdade, há sempre algo novo a aprender sobre um vizinho antigo, que por acaso você há conhece há uns 50 anos.
De um jeito ou de outro, o livro torna esse adorável e atrapalhado menino muito mais real, como alguém que você acompanhou pela televisão desde a infância, uma figura que você já viu passar pelo Centro da cidade, ou até mesmo alguém com quem já conversou. Um amigo, se não for muito presunçoso de dizer, com uma sensibilidade e mesmo sabedoria infantil impossíveis de não se valorizar.
E sabe o que eu disse sobre o Bolaños ter lançado esse livro? Foi isso que ele fez, porque quem escreveu mesmo, qualquer um que ler sabe que foi o Chaves, ou seja lá qual for o nome verdadeiro do maior fã de sanduíches de presunto que qualquer um de nós poderia conhecer.
“(…) não pense, Chaves, que não darei valor à nossa possível amizade. Eu só quero lhe agradecer. Agradecer infinitamente por tudo o que me deu”. Isso, isso, isso.
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Maggie Paiva

Diretamente de Quixadá, Maggie é uma jornalista que se diz metida a cronista, contista e poetisa. Mas, não só é tudo isso como é também resenhista. Autora do livro de não-ficção “Perpétua”, ela divide seu tempo entre devorar livros e caducar seus sobrinhos. É São-Paulina desde pequenininha, fã de carteirinha do Chaves e do Chespirito e mãe orgulhosa dos pets Jack, Oliver e Balinha.