Pantera Negra (Black Panther, 2018) vem em um momento complicado, porém importante. Desde o surgimento do movimento #BlackLivesMatters motivado pela morte do adolescente Trayvon Martin, o numero cada vez maior de jovens negros mortos pela policia, a eleição do novo presidente norte-americano, passando pelo protesto #OscarSoWhite até o protesto nazista em Challotesville, os Estados Unidos vive um momento de tensão racial. E no meio desse contexto o jovem diretor Ryan Coogler, de Creed: Nascido para Lutar (Creed, 2015), Fruitvale Station: A Ultima Parada (Fruitvale Satation, 2013), tinha uma missão um tanto complicada, trazer às telas não só o novo filme do Universo Cinematográfico Marvel, um filme solo do Pantera Negra, mas trazer junto todo o peso cultural e social do personagem.
Para isso, ele recrutou um elenco estelar: Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, a ganhadora do Oscar Lupita N’yongo, Danai Gurira, o experiente e também ganhador do Oscar Forest Whitaker, o indicado ao Oscar desse ano na categoria melhor ator por Corra! (Get Out, 2017) – cujo texto você pode conferir aqui – Daniel Kaluuya, Andy Serkis – dessa vez sem maquiagem digital – e Martin Freeman. Coogler tambem contou com a trilha sonora do excelente Kendrick Lamar – para saber mais sobre ele veja esse texto redigido pela minha pessoa – que por sua vez trouxe nomes como The Weeknd, Travis Scott, SZA, Khalid e entre esses grandes nomes da musica americana alguns artistas africanos como Yugen Blakrok, Babes Wodumo, Sjava e Saudi. Mas será que Coogler conseguiu cumprir essa missão? A resposta é: Ewe (Sim em xhosa, lingua oficial africana)
Seguindo os eventos de Capitão America: Guerra Civil (Captain America: Civil War, 2016) após a morte de seu pai T’Chaka, T’Challa retorna à Wakanda para a cerimônia de coroação carregando a responsabilidade de monarca e a continuação do legado de seu pai. Na cerimonia são reunidas as cinco tribos que compõem o reino, sendo que uma delas, os Jabari, que não apoia o atual governo. T’Challa logo recebe o apoio de Okoye (Danai Gurira), a chefe da guarda de Wakanda, da irmã Shuri (Laetitia Wright) que coordena a área tecnológica do reino e também de Nakia (Lupita Nyong’o) espiã de Wakanda. Juntos, eles saem à procura de Ulysses Klaue (Andy Serkis) único estrangeiro a conseguir entrar e sair vivo do país, roubando seus segredos. Só que desta vez Klaue conta com a ajuda de um aliado que possui uma misteriosa ligação com Wakanda.
O filme apresenta uma África nunca antes vista claramente tendo o afrofuturismo como inspiração – movimento que mescla cultura africana com ficção cientifica – a mistura entre a alta tecnologia e elementos tribais, os trajes, as danças, os rituais, as cenas com os diálogos em xhosa, a mistura entre tecnologia e misticismo tornam Pantera Negra um dos filmes de visual e mitologia mais interessantes da Marvel. O diretor acerta a mão nas cenas de ação mostrando o mesmo domínio de câmera que já tinha sido visto em Creed, nos entregando excelentes cenas de luta corpo-a-corpo que combina elementos de capoeira e luta tribal, a grande batalha no clímax, todas as cenas de luta das excelentes Dora Milage, a cena de perseguição e até um belíssimo plano-sequência.
Ao contrário de muitas produções do estúdio, o filme não se vale apenas do visual e das cenas de ação, mas também acerta muito nas motivações e dramas dos personagens, o dilema sobre a insegurança de T’Challa em comandar, os lideres mais velhos das tribos tentando manter as tradições e as raízes, os lideres mais jovens que anseiam por mudanças e apresenta um vilão com motivações tão fortes que em alguns pontos torna-se um argumento melhor do que do herói e tudo isso entregue de forma consistente por todos os atores, mas principalmente por Michael B Jordan e Chadwick Boseman.
E os alívios cômicos? O filme também se diferencia das outras produções do gênero nesse ponto, o humor é bem pontual e funciona muito bem, usando princialmente Shuri e o carisma de sua interprete Letitia Wright para essa função. A trilha sonora também funciona perfeitamente, desde o hip-hop de altíssima qualidade do Kendrick Lamar até a trilha sonora incidental composta por Ludwig Göransson – que viajou para África do Sul e Senegal para estudar musica africana – feita grande parte com percussões e cânticos africanos. O único ponto fraco visível do filme são os efeitos especiais, mas nada que estrague todo o resto.
Pantera Negra vem como um dos melhores filmes do Universo Marvel. Apesar de Ryan Coogler jogar dentro das regras da fórmula que caracterizam o estúdio, ainda assim consegue imprimir sua marca muito bem. O filme trás ótimas atuações, visual e conceitos de brilhar os olhos, excelentes personagens, cenas de ação empolgantes, um ótimo drama familiar, um roteiro redondinho e tudo isso carregado de representatividade e cultura, falando abertamente sobre racismo e trazendo personagens femininas fortes e independentes, sem usar a questão racial apenas como muleta, um ótimo adendo aos tempos difíceis que vivemos. É tipo um Rei Leão com vibranium.
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Hugo dos Santos, o UGU
Metralhadora de provocações, rimas e de histórias que começam sempre com “eu tenho um amigo…”. “Ugu” divide seu tempo entre jogar basquete e questionar o sistema. Tem um crush nada secreto no Donald Glover. Veio a esse mundo mascar chiclete e desmascarar brancos feios e seu chiclete acabou.
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