As mesmas mãos que nos entregaram os encantadores A Canção do Oceano (The Song of the Sea, 2014) e Uma Viagem aoMundo das Fábulas (The Secret of Kells, 2009) voltam a nos presentear mais uma vez, dessa vez com um drama envolvente.
Com produção executiva de Angelina Jolie, The Breadwinner (2017) é uma co-produção internacional adaptada do livro homônimo de Deborah Ellis, quem assina a direção é Nora Twomey, uma das fundadoras do estúdio de animação irlandês e co-diretora de Uma Viagem ao Mundo das Fábulas. A Cartoon Saloonconsegue, com The Breadwinner, a impressionante marca de três indicações ao Oscar nos seus três longas.
Parvana é uma garotinha que vive uma realidade dura num Afeganistação controlado pelo Talibã, as mulheres são proibidas de andarem nas ruas sem a companhia de um homem, quando o fazem são perseguidas e severamente castigadas, independentemente da idade. Quando o pai da menina é preso injustamente e a família começa a passar necessidades cabe a ela cortar seu cabelo, vestir-se de menino e trabalhar para ganhar o pão de cada dia em casa.
Os traços são cartunescos e simples, mas de cores fortes e de uma narrativa crescente e arrebatadora, Nora aposta na leveza, mesmo com temas difíceis de tratar como repressão política e agressão nas mãos, a violência está sempre fora do quadro, mas nunca deixa de ser sentida ou de estar lá. A família da personagem principal vive de uma maneira quase claustrofóbica e a tensão do dia-a-dia é palpável, cada vez que alguém precisa sair de casa a apreensão cresce, então quando o disfarce de garoto acontece sentimos o alívio da personagem de poder andar livremente. Quando um filme escrito e dirigido por uma mulher diz a frase “meninos podem ir aonde quiserem” através de uma das personagens, o que poderia ser só uma frase trivial, bate muito mais fundo, mais trágico em qualquer mulher, mesmo que ela venha de vivências diferentes da retratada no filme.
Entretanto, apesar de ser um drama, Breadwinner se utiliza da própria protagonista para possuir momentos de respiro encantadores, a menina lida com o cotidiano em que vive através de histórias contadas oralmente por ela, durante essas histórias a animação do filme ganha uma vivacidade e um colorido vibrante que contrasta com o da vida e de tons alaranjados e terrosos. Os contos do garoto contra o malvado Rei Elefante ecoam o arco central, principalmente na obstinação do personagem com Parvana que se sente obrigada a tentar reencontrar o pai a qualquer custo, mas nos mostra muito mais do que isso, em suas histórias a menina retrata tudo o que ela gostaria de ver nas ruas de sua cidade, as pessoas boas são recompensadas por demonstrarem generosidade e empatia enquanto as ruins são devidamente castigadas pela ignorância e crueldade. A gente, do lado de cá da projeção, fica desejando que o mesmo pudesse acontecer não só na ficção.
Roteirista e podcaster bacharel em Cinema e Audiovisual. Ex-potterhead. Escuta música triste pra ficar feliz e se empolga quando fala de The Last of Us ou Adventure Time. É viciado em convencer as pessoas a assistirem One Piece, apreciador dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa e, acima de tudo, um Goonie genuíno.