Com Ex Machina: Instinto Artificial (Ex Machina, 2014), uma ficção científica excelente sobre inteligência artificial que discute, dentre muitas outras coisas, a relação entre homem e a máquina, Alex Garland alcança o difícil feito de atrair atenção para si mesmo em sua estreia como diretor. O filme está na lista dos melhores daquele ano. Desde então, os olhos se voltaram ansiosos para cada novo trabalho que tivesse sua assinatura. O que nos leva ao aguardado Aniquilação (Annihilation, 2018) que estreou direto em serviço de streaming na semana passada. Uma decisão estranha, mas compreensível por parte da Paramount que temia um fracasso de bilheteria. Mas, de onde viria essa rejeição? Seria outro O Paradoxo Cloverfield (The Cloverfield Paradox, 2018) que o estúdio teria em suas mãos? Felizmente, muito pelo contrário.
Aniquilação é uma ficção científica pura e, sem sombra de dúvida, um novo clássico para um gênero que muitas vezes precisa se entregar a outros, como ação e aventura, de modo a ficar mais palatável para o público, mas que na sua essência são narrativas densas que se voltam com reflexões principalmente para a humanidade. O inesquecível
2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968), os curiosos
Sob a Pele (Under the Skin, 2013) e
Solaris (Solyares, 1972) e o mais recente
A Chegada (Arrival, 2016) são ótimos exemplos disso. Depois das primeiras exibições-teste não serem tão animadoras o estúdio pressionou por mudanças no filme, mas Garland bateu o pé para manter sua versão – e que bom que o fez -, justificando então a escolha segura dos executivos, uma distribuição internacional pela Netflix.
Adaptado da trilogia “Comando Sul” de Jeff VanderMeer, o longa acompanha cinco mulheres, mas é protagonizado por Lena (Natalie Portman), uma bióloga que quer descobrir o que aconteceu com seu marido, o soldado Kane (Oscar Isaac), durante o período em que ficou desaparecido. A professora universitária é contratada pela psicóloga Ventress (Jennifer Jason Leigh) para explorar com as outras três cientistas o local chamado de Área X, que estaria sofrendo uma série de anomalias e se expandindo em área num ritmo preocupante.
Não conheço a obra que originou o roteiro, mas se tiver metade da atmosfera assustadora que tem a versão de Garland então não deve ser um livro para os fracos de coração. É essa atmosfera, acentuada pela decupagem que sabe muito bem o que está mostrando e o que está escondendo, o visual deslumbrante, a trilha sonora – minimalista, cheia de ruídos e sons metálicos, que parece tranquila e inquietante, como se algo estivesse sempre prestes a dar errado – que me fisgam por completo. Através desse ambiente enigmático, que parece familiar e estranho ao mesmo tempo, a obra ganha tons de fantasia e terror, com enquadramentos abertos que destacam a paisagem rica, colorida, única, viva e crível, mas que engole as personagens, assim como O Brilho – como também é chamado o local – faz com a área ao redor. De animais mutantes assustadores a seres inofensivos, mas apavorantemente belos e intimidadores, cada detalhe dessa redoma alienígena é apaixonante.
Só que é muito mais do que um espetáculo para os olhos e ouvidos, que merecia mesmo ser assistido numa sala de cinema, aliás. As reflexões do filme continuam reverberando, pelo menos em mim, muitos dias depois de ter assistido. Muitos elementos são explorados aqui e muitas análises são possíveis, impulsos humanos, nosso medo do desconhecido, inclusive de não se reconhecer mais, nossa forma de lidar com o planeta, mas principalmente nossa tendência pela autodestruição, que está em todas as personagens, em algumas de forma mais literal do que em outras, tanto em suas vidas antes da missão quanto durante a jornada também, a medida que as sanidades e as realidades vão sendo testadas e novas formas de vida vão sendo assimiladas. Autodestruição não só em suicídio, ou no âmbito da saúde e do físico, como no ato de beber e de fumar, mas também nas relações, em nossas vidas profissionais. Estamos sempre procurando maneiras de sabotar à nós mesmos.
De um clímax marcante a um desfecho ambíguo, Aniquilação não entrega nada muito mastigado, confia na sua capacidade de aceitar a premissa e trabalhar com ela para construir o que você conseguiu absorver da narrativa. É daqueles filmes de se ter sonhos e pesadelos, de colocar em cheque o modo como você enxerga certas coisas, de se assistir mais de uma vez e de se conversar sobre.
Roteirista e podcaster bacharel em Cinema e Audiovisual. Ex-potterhead. Escuta música triste pra ficar feliz e se empolga quando fala de The Last of Us ou Adventure Time. É viciado em convencer as pessoas a assistirem One Piece, apreciador dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa e, acima de tudo, um Goonie genuíno.