The Post: A Guerra Secreta – Quando Spielberg quase saiu de sua zona de conforto

Podemos dizer que Steven Spielberg é o diretor Hollywoodiano por excelência. Além de ter revolucionado (possivelmente mais de uma vez) o cinema de entretenimento, o uso de efeitos especiais e práticos, ele costuma passear por temáticas que atingem tanto o público infantil, com filmes leves e que tem como maior objetivo a diversão, como também um público juvenil ou adolescente quando flerta com a ficção científica, mas também com um público que procura temas mais sérios quando decide abordar questões sobre a guerra ou política internacional. Spielberg sabe brincar com as emoções de seu público como poucos outros diretores conseguem e o faz com um estilo próprio muito característico, uma maneira de filmar que ele desenvolveu e coloca em prática a vários anos, mas acima de tudo, ele sabe muito bem escolher sobre o que seus filmes irão tratar e como irão tratar.
Pelo que me lembro, em The Post: A Guerra Secreta (The Post, 2017), é a primeira vez que o diretor se arrisca em um tipo de filme que já é bastante comum e que eu gosto de chamar de filmes jornalísticos, ou seja, onde o ponto de vista que acompanhamos é a de um jornalista ou de uma redação de um jornal (seja televisivo ou impresso). Acho que o clássico Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941) pode ser um exemplo deste tipo de filme, mas vindo para produções mais recentes temos o vencedor do Oscar de melhor filme Spotlight: Segredos Revelados (Spotlight, 2015) (com quem The Post compartilha um dos roteiristas). Assim, fiquei feliz por Spielberg estar saindo de sua zona de conforto, mesmo que de leve, já que a política está inserido de uma forma ou de outra em seus filmes “de época”.
Outro tema que muitas vezes está relacionado a filmes jornalísticos são os escândalos políticos, questão que permeia boa parte, por exemplo, da filmografia do diretor Oliver Stone, de JFK: A Pergunta que não Quer Calar (JFK, 1991) e mais recentemente Snowden: Herói ou Traidor (Snowden, 2016), entre outros. The Post está exatamente neste grupo de filmes. A história trata sobre o vazamento de um volumoso documento do governo norte americano que revelava segredos sobre a forma controversa como, durante quatro diferentes governos, entre 1945 a 1967, os EUA estava levando as questões de seu envolvimento na Guerra do Vietnã. Estes documentos, que ficaram popularmente conhecidos como Pentagon Papers, chegaram, no início da década de 1970, às mãos dos editores dos jornais New York Times e depois Washington Post, este último sendo o principal centro dos acontecimentos do filme.
Como ponto de vista para que acompanhemos estes acontecimentos o filme opta por dois protagonistas: Kay Graham (Meryl Streep), herdeira do jornal Washington Post (que na época ainda não era considerado um veículo de circulação nacional, mas apenas local) após o falecimento de seu pai e depois de seu marido. Uma mulher em um ambiente considerado quase exclusivamente masculino na época, com todas as dificuldades que isso acarreta, personagem que Streep nos entrega belamente com uma interpretação sutil e sem muitos exageros, exatamente como a personagem exige, mostrando uma sensibilidade incrível ao complexificar Kay a cada uma de suas falas. E Ben Bradlee (Tom Hanks), editor chefe do jornal, com quem Key matinha uma relação de amizade e cumplicidade que faz dos dois uma dupla de protagonistas bastante interessante. Hanks não é mais do que mediano em seu papel, mas pelo menos consegue ultrapassar a aura de inocência quase infantil que tanto me incomodou em Ponte dos Espiões (Bridge of Spies, 2015).
O problema de ter dois grandes monstros do star system hollywoodiano contracenando juntos é que a maior parte do elenco de apoio, formada por grandes atores com carreiras menos longas como Bob Odenkirk, Carrie Coon, Alison Brie, Sarah Paulson e Jesse Plemons, acabam ficando meio apagados à sombra dos protagonistas (e é interessante perceber como todos estes atores são mais ou menos oriundos de séries de TV)

 

 

No início do filme já podemos sacar uma das marcas de direção do Spielberg, ele nos joga dentro de uma das “batalhas” no Vietnã acompanhando Daniel Ellsberg (Matthew Rhys), um funcionário enviado pelo Pentágono para dar notícias da guerra. Logo em seguida Ellsberg está no Air Force 1, quando é chamado pelo secretário de defesa americano Robert McNamara (Bruce Greenwood), que discute sobre a viabilidade da guerra com outro político, para responder, como alguém que esteve em campo, em que ponto ele achava que o conflito se encontrava. Ellsberg prontamente responde que o que mais o impressionara é que em anos de guerra nada havia mudado, confirmando o ponto que McNamara discutia anteriormente. Minutos depois, quando a aeronave pousa, vemos o olhar embasbacado de Ellsberg ao ouvir McNamara declarar abertamente à imprensa que estava muito feliz com os avanços que os americanos haviam chegado no Vietnã e que estava tudo sob controle. Com esta introdução bastante clara, entendemos as motivações que fariam Ellsberg vazar a documentação que seria o mote de todo o filme.
No entanto, mesmo com a montagem rápida de Sarah BrosharMichael Kahn, a belíssima fotografia de Janusz Kaminski, com movimentos de câmera precisos nos momentos exatos,  e a música eficiente de John Williams, todos eles companheiros de longa data do diretor, Spielberg não consegue promover ao roteiro a agilidade que este tipo de enredo merece. Talvez eu estivesse esperando algo próximo aos roteiros do Aaron Sorkin, dos quais sou grande apreciador, mas isso já seria demais. O filme se demora de uma forma  desnecessária, quase cansativa, até que a decisão de se publicar os documentos seja tomada, e quando isto ocorre não parece ter o poder que deveria ter. E para completar Spielberg finaliza com uma sequência que tem uma aparência bonita, mas que nada mais é do que um de seus piores maneirismos, fazendo com que The Post se torne uma espécie de prequel do clássico Todos os Homens do Presidente (All the President’s Men, 1976), de Alan J. Pakula.
The Post: A Guerra Secreta acaba sendo uma jogada inteligente de Spielberg e é possível que renda uma ou outra indicação a Oscar (o mais certo é a vigésima primeira indicação de Maryl Streep), além de tocar em uma temática recente com as polêmicas envolvendo Trump e a liberdade de imprensa, mas acaba sendo mais um filme morno do diretor que parece estar cansado de seu próprio estilo.