O Artista do Desastre – A humanização de Tommy Wiseau

Inicialmente, precisamos falar de The Room. Lançado em 2003, o filme traz a relação entre dois amigos e como essa amizade é destruída após um deles se envolver com a mulher do outro. The Room não teve distribuição oficial e Tommy Wiseau pagou para que o filme fosse exibido por duas semanas, tornando-se um fracasso. Em termos técnicos o filme chega a níveis drásticos de tão ruim que se deu o resultado. E foi através do filme e da figura de Tommy, da bizarrice do filme e da pessoa, que The Room tornou-se um queridinho de nicho e ganhou o título de cult.
Após 14 anos, surge então O Artista do Desastre (The Disaster Artist). Dirigido por James Franco, baseado no livro “The Disaster Artist: My Life Inside The Room”, de Greg Sestero e Tom Bissell. O longa conta a história dos bastidores da produção e gravação de The Room e como surgiu a amizade entre os atores Tommy Wiseau (James Franco) e Greg Sestero (Dave Franco) que deram vida e corpo ao filme que os lançaram como atores.
Iniciamos em São Francisco, em 1998, numa aula de teatro onde os protagonistas frequentam. Greg, aspirante a ator, não consegue se mostrar desinibido no palco e, após se apresentar, assiste Tommy que entra em cena demonstrando nenhuma vergonha. O contexto gera grande fascínio por parte de Greg e os dois começam a se aproximar compartilhando seus anseios de se tornarem grandes nomes em Hollywood e viver em Los Angeles.
Esse tema é bastante utilizado no cinema norte-americano: a jornada de pessoas que aspiram a fama ou a vida em LA. Porém, o ponto mais importante, e que torna a história interessante, é a figura de Tommy. É quase impossível de acreditar que exista alguém tão peculiar e excêntrico quanto ele e é justamente isso que torna essa história tão intrigante.
Após firmarem relação, Tommy convida o amigo para ir morar em Los Angeles. A partir desse momento, no filme, podemos nos aproximar mais das questões do universo de Wiseau. O fato de não se encaixar em padrões de comportamento ou beleza é bastante difícil para os papéis que ele deseja, sua vontade é tornar-se um artista que faça parte do imaginário do herói americano. Porém, ao permanecer na busca por oportunidades, ele acaba por reconhecer que as pessoas não o leem dessa forma e todo esse processo é frustrante para ele.

 

Wiseau é essa figura estranha, misteriosa e que pouco se sabe sobre a origem ou fonte de renda. Após várias tentativas, ele decide fazer um filme depois de Greg expressar que eles deveriam criar suas próprias oportunidades. No desejo de criar um planeta próprio e ascender na fama, ele segue na jornada de escrever, dirigir e estrelar um filme. E conforme as filmagens vão acontecendo a relação entre ele e Greg começa a se desfazer. Por parte de Wiseau: o medo de ser traído e de ficar sozinho; por parte de Greg: perceber que talvez não tenha sido uma boa ideia fazer um filme da forma que haviam feito.
O Artista do Desastre se utiliza de toda a tragicidade do próprio The Room e da relação dos dois para falar de temas humanos. Ele explora a dificuldade em se encaixar num sistema e suas exigências; o quão difícil é encarar a realidade e traçar um paralelo com seus sonhos; o tocante das relações de amizade e confiança e as inseguranças/medos próprios dos relacionamentos.Embora The Room possa ter um viés cômico, continua sendo um retrato trágico sobre fracasso. Contudo, é justamente na humanização do “esquisito” que a obra de Franco acerta. Ele nos entrega um Tommy Wiseau real e complexo, sem o tornar mais uma vez o motivo da piada.