O Estranho Que Nós Amamos (The Beguiled) é dirigido por Sofia Coppola, vencedor do prêmio de melhor direção em Cannes desse ano e uma adaptação de um livro chamado A Painted Devil de 1966, o livro rendeu outro filme homônimo em 1971 protagonizado por Clint Eastwood.
Na guerra civil americana, um soldado da união é ferido e encontra abrigo num colégio só para moças, onde recebe todos os cuidados para a sua recuperação. Enquanto isso, ele desperta paixões e torna-se o centro das atenções de suas benfeitoras. O elenco conta com atrizes muito talentosas e de diferentes gerações Elle Fanning, Kristen Dunst e Nicole Kidman. A atuação delas é precisa, fruto de uma direção consistente e madura por parte da diretora.
O longa ser considerado um western pode gerar certa estranheza, mas, apesar do que está no imaginário popular, os faroestes, sempre tão ligados a duelos, tiroteios e ação, não se resumem a isso. Esse pensamento faz sentido se relacionamos o gênero ao cinema clássico da primeira metade do século XX, mas a partir dos anos 50, o western começa a ser revisitado e acaba tomando diferentes caminhos e várias denominações: psicológico, revisionista etc. A pegada de Sofia Coppola com esse filme está muito nesse caminho, a meu ver. É um filme que apresenta elementos muito fortes do gênero, como o estranho solitário, o background da guerra civil americana. Entretanto, a arma que é elemento fundamental do gênero, fica em segundo plano aqui, é pouco mostrada justamente para tentar desconstruir um gênero clássico e pensar o faroeste de uma outra maneira, focando muito mais em seus personagens.
A fotografia do filme é sensacional, foge um pouco dos westerns tradicionais que são filmados em janela de 21:9, aqui é 16:9, mas o filme está longe de ser um faroeste clássico, as cenas noturnas são muito bem compostas à luz de velas e há um uso excessivo de primeiros planos e planos conjuntos justamente para que as expressões das personagens fiquem bem claras. A arte do filme é impecável, nos deixa muito bem ambientalizados no século XIX durante a guerra de secessão americana, desde os vestidos usados pelas mulheres até o uniforme do soldado ferido.
O roteiro e a direção andam lado a lado aqui, se o filme de 1971 era mais gráfico e mostrava os horrores da guerra através da violência, aqui isso se torna mais subjetivo, insinuado. O objetivo maior é mostrar as nuances das personagens e como elas podem mudar de pensamento no decorrer do filme seja sendo seduzidas por esse estranho ou tomando consciência do perigo que pode estar ali. As personagens mudam de ideia e sentimentos o tempo todo durante o filme quase inteiro, isso faz com que elas sejam bem exploradas dentro da dramaticidade do filme.
Para além, o filme também brinca com certos elementos de suspense e até mesmo de terror. O suspense lembra um pouco o filme Festim Diabólico (Rope, 1948), de Hitchcock ( no qual é apresentado no início do filme que há um corpo morto dentro de um móvel e que as pessoas que estão no jantar não sabem disso, mas o expectador sim), no filme de Coppola isso se desvirtua um pouco. A personagem de Nicole Kidman, em determinado momento, pede balas a um soldado que passa pela casa para carregar a arma que fora de seu pai. Essa cena mostra para o espectador e para a outra personagem que há uma arma escondida na casa, mas o personagem vivido por Colin Farrell não sabe, gerando um suspense muito grande em boa parte do filme se a arma será usada, como, onde e quando. Os lampejos do gênero de terror estão mais voltados para a iluminação do filme, principalmente nas cenas noturnas, muitas personagens ficam envoltas em uma penumbra que aliados com a luz de velas contribui para a criação do clima soturno.
Por fim, se você está procurando um faroeste clássico com duelos, tiroteios, perseguições você não encontrará em O Estranho Que Nós Amamos. Aqui temos um filme dirigido de uma forma madura e consciente, com total domínio da estrutura dramática do roteiro e das personagens, devidamente apresentadas e desenvolvidas de formas complexas com um desfecho de se tirar o chapéu para o público. É necessário entender que o western é um gênero muito rico e de diferentes vertentes e que se prender a um estilo ou estereótipo é negar a importância e a riqueza narrativa que o gênero construiu ao longo dos anos.
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.