Logan – Você não é o que fizeram de você

 

 

A primeira aparição de Wolverine nos cinemas foi em X-Men, de Bryan Singer, 17 anos atrás. Foi um projeto ambicioso que precisou se virar da melhor maneira possível com o que tinha. Independente da qualidade dos filmes que se seguiram, a franquia foi um importante e inegável pontapé para uma nova era de adaptações de histórias em quadrinhos de super-heróis. Os filmes renderam bem, os mutantes se popularizaram e o carisma e a entrega ao papel do até então desconhecido Hugh Jackman garantiram o futuro de Logan nos cinemas. A participação do carcaju nos filmes dos X-Men foi se intensificando e a cada história encontrávamos o anti-herói literalmente mais forte e mais desenvolvido enquanto personagem. Quando o arco da trilogia chegou ao fim os produtores precisaram pensar em uma nova e previsível abordagem, voltar para o começo.
Depois da terceira continuação dos X-Men (X-Men: O Confronto Final, 2006) dividir opiniões, veio o primeiro filme solo para tentar renovar, mas o descontentamento foi geral. Wolverine: Origem ( X-Men Origins: Wolverine, 2009) foi um fracasso completo. Sendo Wolverine um dos personagens mais famosos e queridos da Marvel, foi uma mancha inesquecível para os fãs que se sentiram carentes de um filme que fizesse juz ao mutante canadense. Em 2013 tivemos então uma nova tentativa de levar Wolverine aos cinemas de maneira satisfatória, dessa vez nas mãos de James Mangold, diretor de Garota, Interrompida e Os Indomáveis. Hugh Jackman interpreta seu papel mais uma vez e, embora o filme seja, de todas as maneiras, superior ao anterior, o terceiro ato de Wolverine: Imortal (The Wolverine, 2013) deixa muito a desejar e desaponta mais uma vez. Parecia que não tinha jeito de fazer um filme solo do xará dar certo. Mas, eis que após o sucesso de bilheteria de Deadpool em 2016 é anunciado que o longa – até então conhecido como “Wolverine 3” – também receberia uma classificação para maiores de idade. James Mangold voltaria como diretor, Hugh voltaria como Logan pela última vez em sua carreira e Patrick Stewart também é confirmado para retornar ao seu papel como Charles Xavier. É neste momento que os fãs (e me incluo) começam a olhar com mais interesse, mesmo que ainda meio que ressabiados, para o projeto.
O título oficial foi anunciado com o passar do tempo, a escolha de somente o nome “civil” do personagem encabeçar não só intrigou o público, como também foi uma pista para o tom que o filme assumiria, tom esse confirmado pelas imagens promocionais postadas no perfil oficial do filme no Instagram. Todas em preto e branco. Sérias, melancólicas e intimistas. Os trailers que foram disponibilizados mantiveram essas impressões e a expectativa do público foi finalmente fisgada. Parecia que o projeto estava, de fato, no rumo certo.
É interessante perceber como Logan, filme com data de estréia mundial marcada para o dia 02 de março de 2017, consegue levar todo esse passado do personagem nos cinemas em conta e usar a seu favor, mas também, ao mesmo tempo, desconsiderar o que aconteceu. Esse filme funciona muito bem sozinho, como uma história fechada, mas podemos sentir na relação entre os personagens toda a trajetória pela qual tiveram que passar para estar onde estão.
Encontramos um Logan física e mentalmente quebrado no ano de 2029 que divide seu tempo entre trabalhar como motorista particular e cuidar de um Charles Xavier de 90 anos de saúde mental instável. Há décadas não nascem mais novos mutantes e todos os X-Men estão mortos, sobram apenas Logan e Charles para fazerem companhia um para o outro até que Laura, uma mutante estranhamente familiar, cai de para-quedas em suas vidas.
Logan, assertivamente, não é um filme de super-herói, bebe sim de títulos famosos dos quadrinhos, principalmente da graphic novel Velho Logan (e foi impossível não lembrar de The Last of Us em diversos momentos), mas é, acima de tudo, um estudo de personagem. E seus acertos vem, na minha interpretação, de todo o processo, todo o caminho, que foi chegar até aqui. Um daqueles casos de estar no lugar certo, na hora certa. James Mangold precisou desse tempo para entender esse herói e o tipo de filme em que ele se encaixa, Hugh Jackman precisou de todo esse tempo também, ao longo de todos esses anos, de todas as vezes que viveu o papel e que vivenciou a recepção dos fãs, para entregar o Logan que vemos nesse filme, pra entender todas as camadas, todas as facetas, o Logan que todos mereciam ver no cinema, que todos precisavam, a produtora, a equipe, o próprio Hugh, que aos poucos tornou-se muito apegado ao personagem que lhe tornou famoso, e principalmente os fãs, não só os viciados nos quadrinhos, mas também os que cresceram com os filmes dos X-Men. Todos precisavam desse acerto que faltava, dessa redenção e de uma despedida digna. Logan é tudo isso.
Hugh está impecável, suas dores, físicas e emocionais são palpáveis, a ira animalesca, o humor, as posturas, foi a interpretação mais próxima do herói com o qual cresci obcecada. A dinâmica entre Hugh e Patrick está incrível, Patrick entrega uma performance poderosa e tão frágil ao mesmo tempo que chega a dar desespero, a pequena Dafne Keen está inacreditável, uma grande parte do filme estava em seus ombros e ela consegue desempenhar o papel de X-23 sem o menor problema. E como é bom ter suas expectativas superadas! Logan é violento e dramático. A atmosfera melancólica e rabugenta extremamente familiar pra quem lia as aventuras solo impressas de Wolverine mas muito bem apresentado também pra quem não tem essa bagagem, até porque os conflitos do filme são fáceis de se identificar e compreender, o personagem-título viveu demais, perdeu pessoas demais, viver é um fardo e seu corpo já está no fim de suas forças.
Os problemas até existem, mas esses momentos em que não acerta ou que os roteirismos ficam muito claros são meros detalhes que não ofuscam em nada as cenas de luta muito bem coreografadas, sangrentas e empolgantes, a violência necessária e tão rotineira na vida do personagem, sem nunca parecer gratuita, entretanto. Logan é completo, é emocionante, diverte na medida certa e empolga nas cenas de ação. Só me resta então respirar aliviada e orgulhosa, foi uma baita viagem, uma bela despedida para Hugh Jackman e a representação que o Wolverine merecia nos cinemas.