Um dos meus maiores arrependimentos é não ter visto esse longa nos cinemas em 2013. Vindo de uma carreira consolidada na crítica cinematográfica e de, pelo menos, uma década de realizações em curtas-metragens premiados,
Kleber Mendonça Filho faz sua estreia em longa-metragem de ficção com
O som ao redor. Ao ver o filme, tanto a primeira vez quanto para escrever esse texto, não consigo deixar de dissociá-lo com os romances neorrealistas da geração de 30, na literatura brasileira, que denunciam várias mazelas do povo nordestino, sistemas falidos, como os latifúndios que dominavam/dominam a economia e política do Brasil.
O filme se desenvolve em um bairro de Recife, a motivação inicial é a falta de segurança do bairro (que poderia ser em qualquer cidade grande do Brasil), logo no início do filme temos a cena do roubo do “toca CD’s” de um carro. O filme dedica boa parte do seu tempo em mostrar a rotina dos moradores, para isso, o diretor utiliza de vários recursos válidos, zoom, câmera na mão, travelling etc. Essa rotina pode parecer banal, à primeira vista, mas ela é fundamental para a crítica que desenvolve ao longo do filme. Destaco duas cenas, a da venda do apartamento, no qual a mãe e a filha vão visitar para compra, em que há uma divisão por meio de um muro com o outro lado da sociedade; e a cena da mãe que tenta matar o cachorro e se masturba com a máquina de lavar, que inclusive é uma releitura de uma cena do próprio realizador em um dos seus curtas, Eletrodoméstica (2005).
Em seu primeiro longa, O som ao redor, de 2013, Kleber Mendonça Filho traz à tona uma realidade que ainda persiste no Brasil do século XX, a história que se passa em um bairro do Recife no qual um senhor detém o poder que é ameaçado por um grupo de seguranças que chega no local. O filme é na verdade uma grande crítica ao modelo latifundiário que existe, não só no Nordeste, como em todo o Brasil, herança da nossa colonização portuguesa.
De todos os aspectos técnicos, eu destaco a sequência final: os dois irmãos seguranças sobem o elevador, essa cena quase sem som (só o som do próprio elevador), revela um clima tenso e de cumplicidade entre os dois irmãos. Esse silêncio persiste até a conversa entre os seguranças e o coronel.
A cena da conversa entre eles é uma aula de montagem, a maneira como os corpos se dispõem na cena é intrigante, o coronel senta no meio e os dois irmãos em sua frente a formar um triângulo, em seguida há vários primeiros planos e detalhes, essa cena além de estar em cinemascope lembra muito a construção dos filmes de western, por vezes pensei estar vendo um dos filmes de Sergio Leone. A tensão se desenrola por meio dos diálogos, aqui temos revelada, talvez, o detonador dramático do filme, ele é na verdade uma história de vingança, e a ação rompe quando os três personagens abruptamente se levantam, a cena é rapidamente cortada para crianças que ascendem bombinhas, entre o barulho das bombinhas, ouve-se um estrondo maior, que sugere ser um tiro.
O som ao redor é sem dúvida um marco na cinematografia não só de Pernambuco, do Nordeste ou do Brasil, mas da América Latina, o filme comprova o talento já evidente de seu realizador e deixa uma vontade ainda maior para ver seu novo trabalho.
Para ler a primeira parte do Especial sobre alguns curtas do diretor Kleber Mendonça Filho clique aqui e sobre seu novo filme Aquarius clique aqui.
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.