Aquarius e a resistência

Aquarius, segunda longa-metragem de ficção do realizador Kleber Mendonça Filho, chegou aos cinemas essa semana, no dia primeiro de setembro de dois mil e dezesseis. O momento foi oportuno, devido a atual conjuntura político-social que vive o país, pós golpe de 16. Aquarius é sobretudo um filme de resistência e luta, seja pela luta contra o câncer que a protagonista vence ainda nos anos 80, seja a luta e resistência contra às grandes empresas de engenharia que visam transformar todos os prédios da orla em grandes prédios repletos de segurança, seja a luta da personagem contra as investidas daqueles que querem realizar isso.

A luta, principalmente contra a especulação imobiliária, a luta pela vida, pela família, pelo país deixa o filme com um tom político muito forte, mas feito de uma maneira muito sutil, o que o deixa ainda mais belo.

Aquarius é também um filme sobre família e memória, sobre como objetos e pessoas transformam um lugar, como somos capazes de lembrar de pessoas apenas olhando para certas coisas, por exemplo, um móvel, um carro, um disco. Aliás, o filme tem uma memória musical muito potente, que contagia e emociona o público, há tempos um filme não me causava tanta comoção.
Além da música, o que mais emociona o público são as atuações, em especial, de Sonia Braga, que faz Clara, a protagonista do longa. Ela está muito bem, à vontade no papel, e vive uma personagem que vence um câncer quando jovem, que fica viúva, que cria os filhos e que resiste, como nunca, resiste aos assédios para que venda de seu apartamento. Ela é uma mulher forte, porém não perfeita, isso que é maravilhoso. O filme não trata de questões maniqueístas, sua luta pela resistência de seu prédio é belíssima, mas ela tem defeitos sim, ao mesmo tempo que Kléber não se preocupa em relativizar isso, ele apenas mostra.

No tocante as questões técnicas, o filme é exemplo de um domínio sobre o cinema. Tem tudo que podemos imaginar de movimento de câmera, de enquadramento, de noção de espaço, de roteiro etc. O filme trabalha tão bem isso, que é possível desenhar a planta do apartamento de Clara, mesmo sem ter sido mostrado alguns cômodos. Destaco dois planos, primeiro quando a filha saí do prédio, temos um zoom out dela e mostra a fachada do prédio, em seguida, ainda nesse mesmo plano, temos um zoom in na janela para mostrar a mãe que está lá. O outro plano é mais para o final do filme, no qual temos um plano do mar, desfocado, em que Clara saí das águas e caminha em direção a câmera até ela entrar em foco.

Aquarius é um filme político, sobre resistência e luta, esteticamente muito bonito com suas cores e movimentos de câmera. Dá uma aula de cinema, seja no tocante a sua decupagem quanto no desenvolvimento de seus personagens. Kleber Mendonça Filho entrega, de bandeja e em um momento oportuno, o melhor e mais comovente filme brasileiro dos últimos anos.

Para ler as outras duas partes do Especial sobre a filmografia do diretor Kleber Mendonça Filho clique aqui (curtas) e aqui (O Som ao Redor).