“Is This It”…Mas, e o resto? – 15 anos de uma velha novidade

Em 30 de julho de 2001 era lançado o primeiro (e melhor – alguém duvida disso?) álbum da banda nova-iorquina The Strokes, “Is This It”. O sucesso de crítica e de público elevou a banda ao status de “a salvação do rock”.
Pausa. Antes de chegarmos nessa expressão bastante exagerada, é importante lembrar o que estava rolando na música na virada do milênio.
Numa história de mais de cinco décadas, o rock foi dado como morto por inúmeras vezes. Bastava que um ídolo morresse ou que a chegada de alguma mudança na indústria da música criasse tal especulação, foi assim com a morte de Kurt Cobain (1994) ou com a chegada do Techno nos anos 90 (onde até o U2 lançou um álbum com essa pegada mais eletrônica, “Pop” de 1997), só para citar alguns casos nos anos 90 de mortes anunciadas. Na virada dos anos 90 para os 2000, apesar de apresentar vários subgêneros ou “rótulos” (fica a seu gosto escolher o seu favorito entre o grunge, britpop, pop-punk, o indie, o hardcore, o gothic rock, o college rock, …Ufa! E por aí vai!); mais uma vez, o rock agonizava em termos de mercado (perdendo espaço para o pop e o rap, tanto nas vendas como nas execuções radiofônicas). A contestação tão marcante no gênero se deparava com uma época que tinha mais interesse em consumir do que contestar (olha o prato cheio para o pop e o hip-hop decolarem!). O próprio mercado fonográfico passava por uma crise econômica por conta da pirataria na internet e da maneira que as pessoas iriam se relacionar com a música nos anos seguintes. Era preciso adaptar-se aos novos tempos. Lançar algo novo que desse um retorno financeiro antes que a internet o fizesse, era a tônica do momento. Nem que fosse algo “velho” com cara de novo.
E assim, antes que uma “nova morte” do rock fosse anunciada, surgiram bandas que automaticamente foram eleitas como possíveis salvações para o gênero – algo muito parecido com o Nirvana e seu movimento grunge no início da década passada. Dentre as bandas estavam os briguentos do The Libertines, a dupla do White Stripes e o The Strokes, formada por cinco rapazes da classe alta de Nova Iorque.

 

 

Com cabelos e roupas meticulosamente desarrumados, parecia que esses jovens abastados saíram de um algum lugar pobre de Nova Iorque no início dos anos 70 para viver do sonho de fazer música e tocar no badalado CBGB. E viva o marketing, pessoal!
Com 38 minutos de duração, distribuído em 11 faixas (com a média acima de três minutos para cada música – todas assinadas pelo vocalista Julian Casablancas), o álbum não trazia novidades para quem conhecia bem a história do rock e suas mudanças ao longo das décadas. Entretanto, para a nova geração que se formava na virada do milênio, aquele som cru, formado por guitarra, baixo e bateria em músicas ligeiras pareciam ser uma grande novidade para os ouvidos daquela geração que começava a ser bombardeada por arquivos baixados pelo falecido Kazaa, mas não era! O que a banda fez no seu primeiro CD foi retomar as origens do rock nos anos 50 e 60 e porque não dizer, se “lambuzar” com a fase pré-punk de Nova Iorque no início dos anos 70 (vocês já viram as fotos dos caras que aparecem no encarte do CD?) Não se engane com os vocais sujos retirados de poucos takes gravados para cada faixa ou aquela crueza despretensiosa como não tivesse sido mixado ou bem produzido. Que nada! Foi tudo feito para soar como novidade e conseguiram.

 

 

O álbum foi lançado primeiramente na Austrália (não sei por que, seria por conta do bom e velho marketing?) e depois no resto do mundo, fazendo o caminho de uma mera banda coadjuvante em festivais, sejam renomados ou pouco conhecidos. Quando chegou nos EUA – pós-ataque ao WTC – a banda estourou com o lançamento de “Last Nite” (segundo single lançado do álbum, o primeiro foi “Hard to Explain“) e seu clipe despojado e retrô (bem setentista e com áudio gravado ao vivo). E o resto virou história com o sucesso de público e de crítica.

 

E no meio disso tudo veio a euforia e a desconfiança. Não era apenas a banda salvadora do cambaleante rock and roll, era a maior representante do rock alternativo contemporâneo. Principal banda do indie, o novo grupo do garage rock. Precursor do movimento das bandas “básicas” do rock nos anos 2000. E as críticas vieram a reboque: emuladores do proto-punk; cópia do Velvet Goldmine e por aí vai. Seria mais uma banda de rock que iria desaparecer pela falta de sucesso ou por brigas entre seus integrantes.
Não me lembro de outro álbum de rock que tenha repercutido tanto nesses últimos quinze anos (teve? qual?). Numa época em que o single ganha mais importância do que álbuns conceituais (marca registrada do rock), Is this It foi bem além de uma única música tocada à exaustão nas rádios ou na MTV.
Sobre a relação que construí com o álbum, o clipe veio primeiro (obrigado a TV União – “jovem de cara e de coração”!), que me chamou muito a atenção pelo jeito amador da produção, aquela coisa antiga com os integrantes meio high. Depois veio o CD completo copiado por um amigo que possuía uma ótima conexão de internet discada e, é claro, o kazaa. Depois veio a estranheza daquele vocal num som abafado (ou seria a cópia feita por meu amigo que não prestava?) que foi compensada pelos riffs, solos de guitarra e linhas de baixo bem marcantes que me deu vontade ouvir outras e outras vezes. Quando dei conta, estava estalando os dedos, mexendo o corpo e imitando com minhas mãos vazias o baixo bem marcante ao longo do álbum (seria o air bass?). E isso é o bacana da música. Não importa qual o álbum ou quem está cantando, se a música te pega desprevenido e te leva para outro lugar, por uma, duas ou mais vezes. Pronto! Você acabou de criar sua relação pessoal com a música e isso tá valendo, é o que importa.

 

 

E o que veio depois? Outros CDs que, se maldosamente comparados ao primeiro, chamaríamos de “inferiores”. Apesar de cheios de vivacidade, Room on Fire (2003) ou First Impressions of Earth (2005) não possuem a grande carga de hype depositada no primeiro e é inegável a repetição do som do primeiro álbum nestes dois discos. Aí veio uma “carrada” de bandas-filhotes de Strokes no estrangeiro ou no Brasil (você já ouviu a banda MopTop?). Passado 15 anos do lançamento do álbum, podemos constatar que: a nossa maneira de se relacionar com a música mudou muito (ouvimos um monte de coisa e não conseguimos nos apegar a tudo; para cada música de qualidade duvidosa lançada, um evento é realizado); roqueiros gostam de rótulos, principalmente se forem pra rotular bandas que eles não gostam (gostam de ser chatos quando o assunto destoa daquilo que eles gostam, só não são mais chatos do que fãs cegos e surdos que compra qualquer bobagem feita por suas bandas favoritas); O disco não salvou o rock e nem os fãs mais fervorosos da banda os salvaram de realizar trabalhos mal sucedidos nos anos posteriores; Este ano, a banda lançou um EP com três faixas inéditas (será que, mais uma vez, com a cabeça voltada pra 2001?). E hoje, sem a euforia da época em torno do álbum o que se pode constatar é que as músicas do disco ainda são capazes de animar aquela baladinha rocker entre amigos o que, nos dias atuais, tá de ótimo tamanho.
O título do CD é uma boa pergunta que qualquer pessoa que já escutou a banda (gostando ou não) poderia fazer aos membros da banda:
– Is this it? (É isso?)
E eles poderiam responder com um verso da própria música que dá título ao álbum:
– ♪ Can’t you see I’m trying? ♫” (você não pode ver que estou (estamos) tentando?) Ou: – “ ♫ Tomorrow will be different/ So I’ll pretend I’m leavin ♪”
Cabe a nós seguir o conselho que aparece no refrão da faixa que fecha o álbum:
‘♪ I said you take it or leave it/ And take it or leave it ♫”.
Mais simples do que isso, só o som feito no início do século XXI, descaradamente com cara, corpo e alma do século XX.