O imaginário negro em O Pagador de Promessas

 

O Pagador de Promessas, lançado em 1962, é uma obra-prima do cinema brasileiro. Baseado no Romance de Dias Gomes, o longa, roteirizado e dirigido por Anselmo Duarte, foi premiado com a palma de ouro em Cannes, e concorreu ao Oscar por melhor filme estrangeiro.
Em termos técnicos e de construção de roteiro, o filme é muito bem realizado. Com fotografia de Chick Fowle, a decupagem de planos é eficiente, aos moldes do cinema clássico, e de estética próxima ao que estava sendo realizado na Nouvelle Vague Francesa.
A abordagem de estereótipos e propagação de falsos imaginários, sobretudo em relação aos negros, é algo que denuncia a presença e rigidez católica na construção dos costumes e valores da sociedade brasileira.
No filme, pode-se acompanhar a história de Zé do Burro (Leonardo Vilar), que parte de seu interior, distante a 42 quilômetros de Salvador, para a igreja de Santa Bárbara, na capital, em busca de realizar uma promessa ao lado de sua esposa Rosa (Glória Menezes). O protagonista é conhecido por esse nome, por estar sempre acompanhado por um burro de carga. Certo dia, o animal é atingido por um raio e fica gravemente ferido. Não querendo perder o companheiro, busca Santa Bárbara num terreiro de Candomblé, para que a santa interceda por ele. Em sua fé, ele destina seus desejos a santa cristã que possui uma representação na religião africana na figura do orixá feminino Iansã. Em poucos dias o burro melhora e ele parte carregando uma cruz “tal qual a de cristo”.
Ao chegar na capital, pela madrugada, Zé depara-se com a igreja fechada e decide esperar até amanhecer para que possa levar a cruz até o altar. Como promessa, Zé dividiu suas terras com o propósito de sanar a dívida com a santa, o que levou Rosa a ficar insatisfeita com as decisões do marido e impaciente com a vigília.
Durante a espera, um cafetão (Geraldo Del Rey), conhecido como Bonitão, vê o casal na escadaria da igreja e aproveita-se da situação para tentar a sorte com Rosa, oferecendo-a um lugar para dormir enquanto seu marido espera, na escadaria da igreja, junto a sua cruz.
A partir daí, Zé passa por uma série de perrengues em busca de pagar sua promessa. Rosa se entrega ao cafetão; o padre Olavo (Dionísio Azevedo), ao ser contextualizado da situação em que foi feita a promessa, acusa Zé de querer profanar as tradições cristãs; a mídia, e parte da população, o toma como um símbolo de reforma agrária por tomarem conhecimento da divisão de suas terras. O final fatídico para o homem, sem voz, acaba por se tornar inevitável.
Após sucumbir a morte num embate contra a polícia, é levado pela população negra para o destino de sua promessa. A multidão o põe na cruz e o carrega arrombando as portas da igreja, dando um fim a promessa.
Dentro do contexto, Salvador é a cidade de maior população negra do Brasil. No filme, a ambientação do negro se dá de uma forma problemática. Em busca de criar essa dicotomia e segregação, entre crenças, acaba por retratar o Candomblé como “feitiçaria e macumba” termos utilizado por padre Olavo ao se referir a religião afro-brasileira.
Zé do Burro, traduz uma visão de maior união e respeito entre as duas religiões. Ele não considera que sua promessa foi ilegítima por ter sido feita em um terreiro, pois mesmo pertencentes a crenças distintas, Santa Bárbara é a equivalente cristã para a Orixá.
Dessa forma, vemos um Brasil de forte sincretismo religioso e intolerante. Os estereótipos são amplamente utilizados e o contexto racial inserido serve de forma a tornar mais forte o imaginário exótico do país. Os personagens negros que são postos em cenas, lutam capoeira ou estão representados nas vestimentas que fazem parte do imaginário da baiana, servindo de argamassa na criação de um cinema pra europeu ver.
O contexto social do filme acaba por se tornar atemporal, retratando uma situação muito comum ao que acontece ainda hoje, onde muitas religiões de descendência africana sofrem represálias por preconceito, seja por desinformação ou pela Intolerância religiosa.