Mommy – Um olhar sobre Dolan (Parte 3)

 

 Acompanhe a série do início: PARTE 1 e PARTE 2.

 

Nos últimos dois posts da série vimos como Xavier Dolan, um jovem cineasta, foi crescendo e amadurecendo sua produção através de seus filmes. Da visceralidade de Eu Matei Minha Mãe (J’ai Tué Ma Mère, 2009) ao lirismo de Amores Imaginários (Les Amours Imaginaires, 2010), do épico de Laurence Anyways (2012) a asfixia cinematográfica de Tom na Fazenda (Tom à la Ferme, 2013), Dolan foi usando cada produção desses filmes como experimentos, como quem quer experimentar coisas novas, testar possibilidades dentro de seu próprio cinema, tecendo uma marca inerente, montando seu próprio repertório. Mesmo sendo ensejos com suas similaridades, os filmes se diferem entre si de uma maneira completamente orgânica.
Por isso, não é exagero dizer que todos seus filmes anteriores foram meio que uma preparação gradual para que ele culminasse em Mommy (2014), vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes daquele ano. É um filme onde, para quem acompanha a produção anterior do realizador, mais se consegue identificar as marcas do cinema de Dolan. Na sutil distopia, onde existe uma lei que permite que em casos extremos uma mãe possa dar a guarda de seu filho ao governo – que o levará para um centro de correção comportamental – Diane, uma mãe viúva, tem que lidar com a volta de seu problemático filho para casa, contanto com a inesperada ajuda de uma estranha vizinha.
No filme, Xavier Dolan retoma a temática da maternidade, mas dessa vez focando diretamente na posição de uma mãe que se vê cada vez mais perdida não só na sua vida, mas na relação com seu próprio filho. A partir dessa premissa, o filme vai se desdobrando nessa batalha constante entre Diane e Steve, seu filho – seja entre eles, ou contra fatores externos. Como proposta de encenação, Dolan acaba partindo para um recurso na linguagem cinematográfica – bastante didático por sinal: o aspecto da tela é de proporção 1:1 (um quadrado). Isso faz com que os corpos tenham que estar mais próximos uns dos outros dentro do quadro, mesmo que eles não queiram. Claro, isso gera muito embate entre eles, e apesar de ser uma forma didática de dizer “Olhem, como nós somos sem esperança, como não temos nenhuma expectativa ao horizonte”, também é uma forma muito boa de manter a atenção do espectador, já que o quadro é preenchido com facilidade, e acaba dando efeitos interessantes para a imagem – não sei até que ponto isso foi intencional, mas que funciona, funciona.
Assim como em Laurence Anyways, Mommy carrega um ar imponente, quase épico durante todo o filme, reforçado pelos slow-motions em alguns planos, e quadros incrivelmente desenhados. Mesmo que de uma forma mais modesta, o filme carrega um lirismo que o atravessa, com uma naturalidade difícil de ser alcançada. De todos os filmes do Dolan, acredito que esse tenha sido o que teve um maior alcance de público, não só por ter recebido um importante prêmio em Cannes, mas porque é um filme com o qual é fácil de se identificar, seja pelo tema (o relacionamento conturbado entre mãe e filho), pelos personagens bastante carismáticos, ou pela trilha sonora absurdamente pop que o filme tem.
Quando assisti o filme pela primeira vez, na primeira exibição aqui em Fortaleza, a primeira coisa que me deixou boquiaberto foi a trilha sonora. Ele pega essas músicas que, segundo o próprio Dolan, são de uma mixtape que o pai de Steve fez para uma viagem de família, e incorpora durante todo o filme. Muitas músicas populares do começo dos anos 2000, como Wonderwall do Oasis e White Flag da Dido, estão presentes na trilha, o que gerou uma comoção bastante positiva dentro da sala de exibição, pelo que me lembre. Hoje, depois de já ter visto o filme algumas vezes, essa trilha talvez seja a coisa que menos gosto dentro do filme. Ela funciona muito bem dentro do que ela se propõe, mas ela por vezes acaba sendo um pouco forçada e apelativa, principalmente nos momentos em que ela é inserida. É inteligente, mas para um efeito imediato de identificação. Depois, acaba se tornando algo um tanto datado.
No mais, “Mommy” acaba sendo aquele laço vermelho e lustroso que amarra toda a produção de Dolan, consolidando todos os aspectos e maiores características dela em um único filme. Assim, acaba sendo um verdadeiro épico sobre o amor destrutivo entre mãe e filho. O mais interessante é pensar no que pode vir depois disso. Antes, para mim era algo difícil enxergar para onde ele caminharia depois da magnitude desse filme. Para minha surpresa, o realizador já partiu para o projeto de seu primeiro filme completamente em inglês, o The Death and Life of John F. Donovan, que já conta com grandes nomes no elenco, como Jessica Chastain, Susan Sarandon e Kit Harrington, e seu mais recente ensejo cinematográfico, vencedor do Grand Prix em Cannes nesse ano, a adaptação da peça Juste la Fin du Monde, que já conta com alguns trechos disponibilizados na internet. Por fim, persiste o desejo e minha vontade pessoal de que Dolan continue fazendo um cinema seu, que pulse através das relações humanas e que continue a atravessar o espectador.