Arte e Política nos Cinemas de Ken Loach e Ulrich Köhler

“Política” é um termo bastante complexo. Desde Aristóteles e sua obra Política até hoje seu significado não simplesmente mudou várias vezes, mas também, foram sendo adicionados inúmeros significados, além do que muitos se apropriaram de vários destes significados numa tentativa de explicar outros termos, ao ponto de unir-se a outros ganhando mais alguns sentidos como em “Filosofia Política”, “Ciência Política”, e para o caso que nos convêm, “Cinema Político”. No entanto para simplificar as discussões sobre o tema usualmente liga-se a palavra a outras como “Estado”, “Governo”, “Poder”, entre outras.
 
Em Bread and Roses (Pão e Rosas, 2000) dirigido pelo cineasta britânico Ken Loach temos aparentemente um exemplo claro do que se pode chamar de um genuíno filme político (ou, pelo menos, do que se costuma chamar de “filme político”). Conta a história de Maya (Pilar Padilla), uma jovem mexicana que atravessa ilegalmente a fronteira com os EUA para viver com a irmã, lá consegue o emprego de faxineira em um grande edifício comercial onde a maior parte de seus colegas também são imigrantes latinos. Ao começar a viver e ver as dificuldades e após conhecer Sam (Adrien Brody), um ativista dos direitos destes trabalhadores, Maya passa a lutar por melhorias nas condições de trabalho daquelas pessoas e das suas próprias. Ele tem dois elementos indispensáveis para ser caracterizado como “filme político”: um indivíduo que representa uma minoria tentando sobreviver dentro do sistema opressor e esta mesma minoria tentando lutar por seus direitos. Tudo está bem claro aos olhos do espectador e provavelmente aí está a grande diferença entre este filme e um filme anterior do mesmo diretor: Family Life (Vida em Família, 1971), onde uma garota que, após crescer sob a atmosfera ultraconservadora de sua família, começa a adotar um comportamento esquizofrênico e é obrigada a passar por um agressivo tratamento psicológico. O cineasta alemão Ulrich Köhler em um texto intitulado Porque Eu Não Faço Filmes “Políticos” aponta em Vida em Família algo muito comum no cinema: um filme que abusa do emocional para no fundo transmitir uma mensagem política, ou seja, acaba praticamente enganando o espectador em suas intenções e ainda mais por se tratar, neste caso, de um filme com um teor quase que documental.

 

Por outro lado em Pão e Rosas a intenção política está clara. Clara até demais. Pois, apesar de não “enganar” o espectador em suas intenções acaba por tornar raso um tema que remete a uma profundidade infinitamente maior do que é visto. Logicamente é necessário dizer que em nenhum momento coloco em questão as intenções do cineasta inglês, ainda por cima tendo em vista seu histórico de vida e sua extensa filmografia quase totalmente marcada por questões sociais e políticas. Mas no filme em questão o tema é de tal maneira romanceado que acaba por tornar-se inverossímil na maneira como é tratado, o que fica claro com frases de efeito como: “os uniformes nos deixam invisíveis” ou nas representações dos movimentos de greve e de personagens estereotipados como o chefe demoníaco ou o líder de greve entusiasmado e sonhador (que contraditoriamente é um americano), entre outros.
Assim, Ken Loach nos traz dois tipos de filmes diferentes em seu estilo, mas que em ambos os casos servem como uma espécie de guia para o espectador, um de forma mais implícita como em Vida em Família e outro exageradamente explícita como em Pão e Rosas. Isto talvez seja, como indica Köhler, um sintoma de algo cada vez mais frequente, “filmes que proponham uma lição política com ‘embalagem’ histórica”, o que acaba, obviamente, por tirar a liberdade do artista e deixar os espectadores sem voz ativa. O cineasta alemão coloca em questão a real eficácia deste tipo de filme: será que eles realmente fomentam uma mudança política? Se não, qual o sentido de sua existência? “O que há de político na arte ‘política’? ”. Na maioria dos casos qualquer esforço que por acaso exista nestes filmes vem abaixo quando tornam-se uma espécie de moda cinematográfica e por isso encaixam-se na lógica dos filmes comerciais.
O que nos leva a outra discussão levantada por Köhler, a questão da arte e da política. Para ele “A lógica da política é diferente da lógica artística. Política exige compromissos cheios de responsabilidade. A arte pode ser descompromissada e amoral”. Não que a arte e a política não possam estar juntas, mas é necessário um maior cuidado quando se quer uni-las. A arte que deseja muito ser política acaba não o sendo na maioria das vezes, por outro lado “a arte que quer apenas ser arte é frequentemente mais subversiva”.
Um bom exemplo desta última é o filme Schlafkrankheit (A Doença do Sono, 2011) do próprio Ulrich Köhler. Aqui o cineasta faz um filme sem grandes pretensões políticas, ou pelo menos elas não são demasiadamente claras. Trata-se de um filme repleto de metáforas sobre adaptação e desadaptação. Ebbo (Pierre Bokma), um homem branco europeu que está de tal maneira adaptado ao ambiente africano (Camarões no caso) que não consegue se desfazer do local mesmo com sua vida atribulada por problemas locais e pessoais, de outro lado Alex (Jean-Christophe Folly) um homem negro, também europeu, mas filho de pais africanos, que não consegue de maneira nenhuma adaptar-se à natureza da região. E após tudo a metáfora mais marcante, a da metamorfose.

 

Não que não haja política explícita no filme, não havia como não ter. Os problemas da corrupção no sistema de recebimento de ajuda financeira europeia para os hospitais camaroneses para o tratamento da doença que intitula o filme são o maior exemplo disso, assim como a superioridade com que Ebbo trata os nativos do país como uma clara analogia ao colonialismo europeu, mas não é a intenção do cineasta nos apresentar a África que costumamos ver em filmes hollywoodianos. Pelo contrário, Köhler faz desta obra um filme estranhamente sensível, deixando livre o espectador para as mais variadas interpretações, tornando-o assim, também parte da feitura do filme, deixando-o manuseá-lo ao seu gosto, às suas próprias pretensões. Köhler, desta forma, pratica a arte em que acredita, caracterizada “por sua franqueza, por sua ambiguidade, sua amoralidade e sua rejeição em se deixar instrumentalizar ou funcionalizar”.
E o que pode ser mais político do que isto?