O Homem Invisível – Mirou no suspense e acertou na crítica social

“Onde quer que você vá, eu encontrarei você, irei até você e você não conseguirá me ver. Eu farei da sua vida um inferno!”.

Todos nós conhecemos uma mulher que já ouviu esse tipo de ameaça de um ex-namorado (ou de um namorado que não queria se tornar ex). Em O Homem Invisível (The Invisible Man, 2020), filme de Leigh Whannell, nós acompanhamos a história de Cecilia Kass (Elisabeth Moss), uma mulher que viveu anos em uma relação abusiva, a ponto de se ver obrigada a fugir no meio da noite e tentar viver escondida na casa de um amigo policial. Os traumas que a acompanham são tamanhos que a protagonista mal consegue pôr os pés fora de casa e entra novamente, aflita, ao menor sinal de um homem fazendo exercício na calçada. A trama tem foco centrado nesse tipo de relação e nas sequelas que pode deixar.

Misturado a isso temos uma ótima dose de tensão nos primeiros dois atos do filme. O sci-fi de horror, situado em futuro próximo, nos apresenta um vilão de cinema que, dadas as devidas proporções, é o típico cidadão masculino médio: um homem rico, mimado, que não sabe lidar com rejeições e, mesmo podendo tentar a sorte com qualquer outra mulher no mundo, anseia ter a mulher que lhe rejeitou, exatamente por ela ter feito isso. E se esforça ao máximo para fazer todas as pessoas ao redor dela acreditarem que ela é louca.

Um brilhante cientista do ramo óptico, Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen), é dado como morto por suicídio pouco depois de ser abandonado. No que parecia ser o suspiro de paz que Cecilia buscava, logo após receber uma gorda herança do falecido marido, a personagem se vê atormentada pela sensação de estar sendo observada, mesmo que não enxergue mais ninguém por perto. Aliado a isso, fatos estranhos começam a acontecer ao seu redor e, por mais que ela diga aos amigos e parentes como se sente, ela é desacreditada. Afinal, é fácil achar que a mente dela foi prejudicada pelos anos de abuso que sofreu. Soa familiar para você?

Esqueça a ideia original de onde esse filme se baseia. Ele passa longe de seu homônimo da década de 1930, O Homem Invisível (The Invisible Man, 1933). No filme de James Whale, acompanhamos a história do ponto de vista de Jack Griffin, que descobre um meio de se tornar invisível e, como consequência, acaba por se tornar um homem agressivo, perigoso e sanguinário. Na obra de 2020 somos levados a vivenciar a narrativa a partir da vítima do cientista, alvo de sua obsessão, num episódio de perseguição que pode facilmente ser comparado à milhares de histórias de mulheres reais.

Há boas surpresas durante o filme e cenas que realmente podem te fazer colocar a mão na boca em sinal de espanto. Moss entrega uma atuação maravilhosa. Apenas um pouco de empatia já é suficiente para se sentir indignado com as situações que ela vivencia enquanto a história se desenrola. Há alguns problemas de roteiro e o terceiro ato é um tanto quanto óbvio. Mas não estragam a experiência. Cecelia é o tipo de protagonista pela qual você se apaixona e cresce mais ainda conforme a tensão aumenta.

Certamente O Homem Invisível não será o melhor filme de terror que você verá esse ano. Mas ele garante duas horas de um bom entretenimento, bons elementos de suspense e tensão e uma ou outra carga de terror gore em alguns momentos. Pontos de virada bem posicionados, bons tempos de cena e o texto típico desse nicho de filme: frases de efeito vibrantes em momentos oportunos.

Whannell vem acumulando experiência em filmes de terror e conseguiu um bom trabalho com esse. Parece ter gostado de trabalhar com Elisabeth Moss e fez uma escolha muita certa para o papel – sua loucura é crível, sério! Essa é uma das vezes em que o trailer impressiona pouco (não me despertou interesse em ir ao cinema) mas, ao dar uma oportunidade para o thriller, você acaba saindo com uma impressão positiva. E com o acréscimo de repensar as relações que as mulheres vivem no mundo fora das telas.

A título de informação, segundo a Folha de São Paulo, em 2019 o feminicídio cresceu 7,2% no Brasil. No ano passado, foram registradas 1.310 mortes de mulheres vítimas de violência doméstica ou por sua condição de gênero. É bom lembrar que o aumento de registros não configura um aumento no número de casos, ou seja, significa apenas que mais mulheres passaram a denunciar os abusos sofridos. Além disso, é preciso considerar os casos que não são registrados e também os casos em que as vítimas sofrem agressões menos visíveis, como as não letais, mas que causam grandes impactos em suas vidas. Os números de atendimento psicológico à mulheres que sofreram esse tipo de violência apenas crescem, sendo que esses casos representam o início de ciclo de opressão infligido, principalmente, pelos parceiros amorosos das vítimas. Configuram um tipo de abuso facilmente menosprezado, sendo que, muitas vezes, nem as próprias vítimas se dão conta que estão vivenciando esse tipo de situação.

Nunca é demais pensar sobre o tema.