Locke & Key – Fantasia o próprio ego

Há até quem diga que se tentou uma, duas, três vezes é melhor considerar o sinal dos céus de que a coisa não vai dar certo no final. Escrita por Joe Hill e desenhada por Gabriel Rodriguez, lançada em 2008 a HQ Locke & Key já passou pela possibilidade de ir para as telonas em 2014, na segunda vez, com produção de Steven Spielberg, ganhou um piloto em parceria da Dreamworks e K/O Paper Products, prevista para ser exibida pela Fox, que mais tarde desistiria. Passando o cajado para o Hulu, tendo Andy Muschietti, de It: A Coisa (It, 2017), no cargo de direção do piloto, mais uma vez o projeto não deu certo. Só em 2018, quando a Netflix adquiriu os direitos, que de fato a realização começou a engrenar. De tanto a bola rolar, o que tivemos aqui foi uma empreitada que acreditou demais no material que tem, sem entregar nada além da fantasia do próprio ego.

Olhando no primeiro momento, o arco inicial da série parece um típico terror americano ao abrir com uma cena que incita o mistério e depois parte para uma família que se vê obrigada a se mudar da Califórnia para Matheson, Massachusetts, após a morte do patriarca Rendell Locke (Bill Heck) colocando Bode (Jackson Robert Scott), Kinsey (Emilia Jones), Tyler (Connor Jessup) e Nina (Darby Stanchfield) no obscuro segredo envolvendo chaves mágicas.

Para uma adaptação, a equipe responsável foi bastante fiel à sua fonte, com direito a algumas alterações que permitiram a criatividade ser bem habilidosa com o universo que está contando. Por si só, o fato das chaves mágicas e as funções que se determinam é um elemento curioso para a forma que será encaixada e nisso, Locke & Key (2020 -) usa o melhor de todos os personagens, o qual não sofre com a preguiça dos roteiristas de escreverem algo tão óbvio, raso e repetitivo. Por sorte, Bode é pura carisma e faz essa roda girar ao mesmo tempo que a série vai se afundando na própria imaginação.

Não sendo pouco ter um roteiro que se desenrola de maneira pobre, a sensação é que a atração foi batizada para irritar e entreter como seu ponto mais forte. Seja no slasher maroto, no thriller de mistério que só jovens desenterram, a audiência bem sabe que a menção às figuras fraternas ou suas rápidas aparições é para não pensarmos que os adolescentes são indigentes, mas no caso aqui, tiveram o infortúnio de colocar adultos com personalidades completamente estúpidas e com uma suposta relevância: não importa se é autoridade, ou civil, agem de jeito idiota. A explicação que podemos perceber pode até servir para os membros da família Locke — o que dá  a entender que são enfeitiçados para esquecer das experiências com as chaves, o que acontece nos quadrinhos —, mas para os demais, as ações se tornam contestáveis.

É como se desenhassem o melodrama de quando a pessoa está em perigo não liga logo pra polícia, o discente que sofre bullying que não conta nada pra ninguém, mas quando conta, a facilitação do roteiro desvia do momento necessário para render mais com o plot fazendo a autoridade invalidar o relato que recebeu. E nisso Locke & Key vai e volta em conveniências que já são manjadas até pra uma série teen, ao desistir da pegada de horror sobrenatural e psicológico das HQs para ser mais fantasiosa. O que não é problema, uma vez que utilizam de um CGI limitado para demonstrar o que a chave em questão traz como consequência, e até outro artifício muito bem-vindo como no caso da Chave da Cabeça que foi a mais explorada.

Seria injusto dizer que a culpa de Locke & Key atirar no pé várias vezes é toda dos adultos, quando o roteiro não para de se apoiar num excesso absurdo de comodidades para apressar as coisas — a pessoa acaba de conhecer a outra e já tem o número na agenda, “eu te ligo, tá”?. E a mesmice da narrativa é tanta que fica fácil desconfiar de quem tá tendo foco mais do que o habitual. No meio da fantasia, forçam a união imediata do cast teen, triângulo amoroso; querem falar de alcoolismo, autoestima, temperamento, e ainda inserem uma paixão que não foi superada por um adolescente depois de mais de vinte anos (o ápice não é aqui, calma) misturado às inúmeras inconsistências da trama. Em suma, é pedir pra ser levada a sério e enfadonha no mesmo pacote. 

Embora a trama não seja o maior acerto da série, os aspectos técnicos foram interessantes. Mesmo não alternando em muitos cenários, a direção de arte e fotografia fizeram um belo trabalho visual que enriqueceram o universo que se apresenta. 

Por último, Laysla De Oliveira, o que viestes fazer aqui além de provocar o enigma, fazer muito carão de badass, vestir muitas roupas de luxo, caçar as chaves pra lá e pra cá, e no final ser usada para um cliffhanger de uma série nada apreciada? Foi isso. O mistério envolvia a busca pelas chaves e morte a família Locke sem nem dizer o porquê. Para firmar mais o estardalhaço, e a confiança pretensiosa, entregaram uma season finale de quarenta minutos, onde em pouco mais de vinte minutos os protagonistas e coadjuvantes estavam prontos para deitar em rosas e a produção esperava mesmo que a reviravolta não era esperada, mas genial e inovadora. 

No geral, Kinsey passar mais de um mês usando “rabo de cavalo” ou Ellie (Sherri Saum) ficar de trança no tempo de seis meses não foram os detalhes comprometedores. Locke & Key é sem dúvidas uma série que possuía um potencial incrível dado seu material de origem, mas o que conseguiram extrair e transpor para as telinhas foi o resultado tosco de uma execução que não se permite cruzar o previsível e as escolhas que desfavorecem o que de melhor poderia entregar — talvez em outra adaptação?