Seja como for, a expectativa gera impactos numa experiência: compensa, desagrada ou junto ao êxtase, te deixa aproveitar superficialmente a coisa tão esperada. O problema é quando atinge o efeito de agradar a massa, e por consequência, rende o dobro da expectativa para um filme, um livro, um álbum seguinte ser melhor ou do mesmo nível do anterior. Nomes como Ari Aster e Robert Eggers são exemplos recentes de quem o público deu voto de confiança para o que trariam após os elogios a Hereditário (Hereditary, 2018) e A Bruxa (The VVitch: A New-England Folktale, 2015). Assim, Severin Fiala e Veronica Franz, dupla por trás do austríaco Boa Noite, Mamãe (Ich seh ich seh, 2014) também se viram nesta bolha diante do burburinho que O Chalé (The Lodge, 2019) fez mundo afora. Fazer o dever de casa com tantos esperançosos para o novo deleite do terror, desta vez dividiu a massa.
Durante as férias de final de ano, Richard (Richard Armitage) decide viajar com os dois filhos e a futura noiva para um antigo chalé da família, até que o clima gélido se mostra ser apenas um dos problemas quando atividades estranhas marcam o momento que deveria ser de aproximação, revelando as camadas conflituosas de cada um.
Pensado como um filme de terror psicológico, Fiala e Franz apostaram em elementos técnicos para orquestrar a atmosfera tenebrosa que rege a produção: a cinematografia de Thimios Bakatakis abre apresentando a maquete do chalé – objeto que servirá como reflexo narrativo no desenrolar da história -, enquanto a sonoplastia já marca presença compondo a passagem rígida da abertura, até sermos interrompidos por uma tragédia arrasadora antes mesmo dos dez minutos de produção. O que parecia ser o precursor para fomentar a trama, logo perde o tom com a maneira abrupta em que um caso chocante é deixado de lado.
Conforme avançamos no enredo, parece que há um ímã ao redor da família de protagonistas, disposto a atrair tudo que colabore para eventos perigosos: a negligência do pai, a falta de empatia e egoísmo inicial prontificam a cadeia de consequências por uma ferida mal sarada após um abalo emocional. Ao mesmo tempo, a dupla de cineastas aponta para a bússola de mistério responsável por tornar a película aterrorizante: a noiva Grace (Riley Keough), sobrevivente de um ritual suicida religioso, ao qual foi poupada para atuar como canal de mensagem da seita que pertenceu.
Antes mesmo de dar as caras, o nome de Grace foi causador de conflitos, da tragédia inicial e do desconforto escancarado com os irmãos Aidan (Jaeden Martell) e Mia (Lia McHugh). E ainda através de Grace que a dupla de austríacos apostou todas as fichas do roteiro para brincar com as interpretações do público acerca do que se estende na ida ao chalé, dando colheres de chá com simbolismos sinalizando a confirmação para uma teoria, e na outra mão oferecendo motivos para se criar mais e mais leituras da trama. O que termina funcionando quando combinado a ambientação de relações travadas, alucinações, claustrofobia, escassez e frio, unindo a atordoante trilha sonora.
Enquanto Franz e Fiala superaram o óbvio com a condução contida em Boa Noite, Mamãe, aqui, no segundo longa-metragem em parceria, a dupla faz um exercício de desconstrução com as próprias considerações estabelecidas, como uma observação ao telespectador indagar se de fato sabe o que está acontecendo no chalé. O simples cenário que deveria ser uma trégua para trocas de relações para a nova família, mostra-se um campo de enigmas afunilando cada vez mais os personagens a expor o que reprimiam. A sequela é um desfecho cruel oriundo de uma imprudência e caprichos egoístas em amarras mal exploradas.
O ponto que destoa dos acertos do longa foi a execução monótona inserindo situações rasas para exemplificar o conflito de Grace com os enteados: ao contrário de fazer disso uma substância dramática, opta por um caminho personalizado, fácil, pronto para seguir a tática de bagunçar com as interpretações e aplicar as reviravoltas como o ápice do enredo. De tal forma The Lodge se resume: um atraente terror psicológico, querendo fazer das sacadas chocante e plot twists sua força, nem que para esse fim seja conduzido aos trancos.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.