Em sua segunda temporada, estreada na Netflix no ano de 2018, One Day at Time (2017 -) conta com o retorno da carismática família Alvarez – uma família americana de origem hispânica – e seus problemas cotidianos. Desenvolvida por Gloria Calderon Kellett e Mike Royce, a série aborda não apenas a vida diária da família e seus dramas pessoais mas também assuntos como depressão, estresse pós traumático, imigração, homofobia e muitos outros. Mesmo como uma série de comédia, consegue envolver sua narrativa com importantes enredos dramáticos.
A família Alvarez, consistindo da matriarca Penelope Alvarez (Justina Machado), sua mãe cubana Lydia (Rita Moreno) e seus dois filhos Elena (Isabella Gomez) e Alex (Marcel Ruiz), passa por múltiplos obstáculos diários. A mesma lidou em sua primeira temporada com a sexualidade de Elena, que meses antes de sua quinceanera se descobriu como lésbica. Ao mesmo tempo toca em outro tópico importante na saúde mental de mulheres, especialmente mulheres veteranas do exército. Um dos episódios mais emocionantes da série, escrito por Michelle Baldillo e Caroline Levich, acontece nessa temporada e lida com a saúde mental de Penny.
Ao mesmo tempo, discute a importância da ascendência cubana para a família e os reflexos de um governo responsável por reproduzir ideias xenofóbicas na sociedade americana. Em seu primeiro episódios os personagens são expostos a uma situação onde o mais jovem da família – Alex – é alvo de comentário xenofóbicos por parte de outros jovens. Embora seja jovem, Marcel Ruiz entrega uma ótima performance como um rapaz alvo de preconceito num mundo extremamente problemático. Não apenas a xenofobia mas também o racismo sofrido por pessoas latinas dentro dos Estados Unidos são assuntos abordados. Além do mais, a condição de colorismo também é abordada, de uma ótica das famílias hispânicas.
Outros importantes temas são abordados ao longo da série. Penelope é uma veterana militar e mãe recentemente divorciada, ela lida com seu estresse pós traumático através de uma grupo de apoio para mulheres veteranas. É através desse grupo onde temos a maioria das interações de Penelope com outras mulheres, garantindo momentos muito cômicos e surpreendentes. Dentre as estrelas por trás do grupo de apoio estão nomes como Mackenzie Philips (estrela da série original One Day at a Time), Haneegah Wood, Judy Reyes, Santina Muha e Nicky Endres. As interações dentro do grupo em questão são um ótimo intervalo narrativo, ao mesmo tempo uma oportunidade de explorar pensamentos da personagem principal.
Mesmo se tratando sobre uma série de comédia, é importante como a narrativa de One Day at a Time aborda a temática dos traumas. Além de tudo, o arco da personagem de Justina Machado lidando com sua depressão, ansiedade e seus remédios é um dos pontos altos dessa série. Inclusive a trama sobre a importância do tratamento da personagem com sua depressão e ansiedade garantiu o Sentinel Award para a série na categoria de saúde mental. Mostrar personagens femininas hispânicas lidando com sua saúde mental e buscando tratamento é algo importante, especialmente dentro do segmento de comédia.
Ao mesmo tempo a personagem tem de lidar com prover para sua família de forma financeira e também cursar enfermagem. Penelope também retorna essa temporada a navegar pela vida amorosa ao se envolver com um antigo colega do exército, Max (Ed Quinn). No topo de tudo isso ela ainda tem de conviver com sua mãe Lídia e as suas constantes críticas a ela por não ter um marido. O constante choque entre as gerações é uma das maiores fontes de comédia da série e também de momentos de reflexão e aprendizado para os personagens.
A ideia de família aqui é bem trabalhado também, isso tratando da relação dos Alvarez com os personagens Schneider (Todd Grinnel) e Dr. Berkowitz (Stephen Tobolowsky). Ambos se fazem extremamente presentes na história, assim como seus laços afetivos com os Alvarez. Além de tudo, é uma forma interessante de se criar humor através de estereótipos de ‘homens brancos cis e héteros’ da série. Os laços estabelecidos pelos personagens da série se mostram capazes de aquecer o coração, mostrando um modelo de família único mas recheado de amor, apoio, brigas e aceitação.
Nessa segunda temporada a personagem de Isabella Gomez, Elena Alvarez, lida com os acontecimentos da season finale anterior e como ela se sente com raiva de um mundo que a odeia só por ser lésbica. Em contrapartida a isso, temos o envolvimento dela com Syd (Sheridan Pierce), personagem não binárie cujos pronomes são elu/delu (they/them em inglês). A relação de Elena com sua sexualidade e ativismo em prol da sua causa são enredos importantes da história da personagem, enquanto lidando com os sentimentos de ressentimento para com seu pai.
Contando com um timing dramático e cômico e a boa química entre os personagens, o segundo ano da série se apresenta como uma narrativa inovadora mesmo visitando lugares comuns para muitos outros programas de comédia. One Day at a Time mantém sua habilidade de subverter muitos estereótipos, ao mesmo tempo se reinventando por uma abordagem leve de importantes temas. Para uma série de comédia, a forma como a abordagem de muitos temas poderia se tornar problemática é muito bem contornada através de um roteiro bem elaborado e performances incríveis.
Sua segunda temporada foi a penúltima a ser transmitida pela Netflix, contando em seu catálogo ainda com as três primeiras temporadas da série. É importante valorizar uma série capaz de conciliar tantos temas importantes sem se perder ou perder o próprio timing cômico. One Day At a Time consegue fazer você chorar enquanto ri e rir enquanto está chorando e contar história emocionantes com personagens únicos.
Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.