Inspirado no livro de Martha Batalha, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, é o melodrama que encantou o Festival de Cannes 2019, saindo de lá como o grande vencedor da mostra Um Certo Olhar. Dirigido pelo cearense Karim Aïnouz, com roteiro assinado por Murilo Hauser em colaboração com Inés Bortagaray e o próprio Karim, A Vida Invisível (2019) desbancou 11 filmes, dentre eles Bacurau (2019), de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dorneles, e foi o escolhido para representar o Brasil na corrida pelo Oscar de melhor filme estrangeiro.
Na trama, Guida (Julia Stockler) e Eurídice (Carol Duarte) são cruelmente separadas, impedidas de viverem os sonhos que alimentaram juntas ainda adolescentes. Duas mulheres, duas irmãs, tentando lutar contra as forças sociais que insistem em frustrá-las. Invisíveis em uma sociedade paternalista e conservadora, elas se desdobram para seguir em frente.
Pra mim, a jornada do filme tem seus percalços, gostaria de ter visto mais da relação das irmãs antes da separação, gostaria de ter tido mais tempo para me conectar com o relacionamento delas, gostaria de sentir a separação e o afeto ao invés de ouvir pelas falas das cartas, sinto falta de ver mais tensão construída no segundo ato e, francamente, em certos momentos o filme parece preocupado demais em provar que é uma obra sobre as vivências difíceis das mulheres e as diferentes violências e desafios que sofremos, que não consegue, de fato, ser sobre essas mulheres, seus detalhes, suas nuances. Apesar disso, é, de fato, quase impossível não ficar deslumbrada pelas lentes de Hélène Louvart, o Rio de Janeiro nunca foi tão lindo, monocromático e melancólico. O elenco está impecável e a direção sabe muito bem valorizar suas qualidades com enquadramentos e movimentos de câmera precisos e poéticos.
Só que é o terceiro ato que guarda a maior potência do longa. E é ele que realmente rasga o peito e bate sem dó. Eu, que hoje vivo distante da minha irmã mais velha, me emocionei muito mais do que eu esperava e quando os créditos começaram a rolar, outras tristezas me acometeram: Quantos potenciais desperdiçados, quantas vidas foram tiradas, literal e metaforicamente estão na conta do patriarcado? Quantas morreram sem nunca gozar de verdade, quantas apenas desistiram porque era mais confortável, fácil? Pense nas correntes imaginárias e nas jaulas inventadas que prendem sua mãe, sua avó, sua bisavó, onde você estaria e como seria sua família se o mundo fosse diferente? Essa é a verdadeira tragédia que me enche os olhos no final do filme. Saio da sessão tentando traçar planos para que minhas filhas e netas nunca tenham que se preocupar se suas vidas serão invisibilizadas ou não.
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Roteirista e podcaster bacharel em Cinema e Audiovisual. Ex-potterhead. Escuta música triste pra ficar feliz e se empolga quando fala de The Last of Us ou Adventure Time. É viciado em convencer as pessoas a assistirem One Piece, apreciador dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa e, acima de tudo, um Goonie genuíno.