Projeto Gemini – Muita inovação pra pouca história

Uma certa expectativa rodeava este novo filme do diretor taiwanês Ang Lee, conhecido por filmes como O Tigre e o Dragão (Wo Hu Cang Long, 2000), O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005) e As Aventuras de Pi (Life of Pi, 2012), tendo estes dois últimos lhe rendido a estatueta do Oscar de melhor direção. De lá pra cá o diretor concluiu apenas um projeto, A Longa Caminhada de Billy Lynn (Billy Lynn’s Long Halftime Walk, 2016), drama sobre um veterano de guerra americano que passou completamente despercebido do público em geral. Mas desde o ano passado iniciou-se uma pesada campanha de marketing para sua nova produção, que teria o astro Will Smith como protagonista e seria algo como uma ficção-científica de espionagem.

Entretanto, o grande burburinho sobre o filme girava mais em torno de uma nova tecnologia que o diretor usaria para filmar do que por seu protagonista ou seu enredo. Lee já ostenta um belo histórico de usos, até certo ponto, interessantes em algumas de suas produções, desde O Tigre e o Dragão, passando por sua versão do Hulk (2003), até culminar no estonteante cenário de As Aventuras de Pi, com seu super-realista tigre Richard Parker. Mas desta vez o diretor tinha a pretensão de projetar uma mudança na forma como vemos cinema, tanto quanto outrora um empolgado James Cameron fez com seu Avatar (2009).

 

A ideia de Ang Lee era unir a mais moderna tecnologia do 3D que já conhecemos a uma taxa de quadros de 60 FPS (frames por segundo), mais comum em jogos de vídeo game das últimas gerações. Isso garantiria uma melhor fluidez de movimentos e gráficos que não estamos acostumados a ver no cinema, onde geralmente temos uma velocidade de 24 FPS. Para alcançar essa façanha inédita (o máximo que havíamos chegado fora a versão de O Hobbit rodado a 48 FPS) o diretor precisou filmar em 120 FPS e com câmeras que alcançassem 4K de resolução. O resultado é realmente impressionante, entregando um dos filmes 3D mais completos que já vi, além de a tecnologia proporcionar uma melhor visibilidade de detalhes mínimos que normalmente passam despercebidos pelos olhos do expectador, o que deve ter dado um trabalho danado para o diretor e as demais equipes técnicas do filme.

Como se não bastasse o filme ainda exigiria uma outra tecnologia que traria de volta um Will Smith com carinha dos tempos em que aprontava todas em Bel-Air na série Um Maluco no Pedaço (The Fresh Prince of Bel-Air, 1990 – 1996). Segundo a equipe responsável pelos efeitos especiais do filme a técnica usada diferia do que nos acostumamos a ver nos filmes do Universo Cinematográfico da Marvel, pois usaria a captura de movimento em Smith para recriar um novo e jovenzinho rosto do ator, algo parecido com a criação de personagem em jogos de video games recentes, o que, apesar de não ser novo no cinema, se mostra aqui de uma forma inacreditável, unida a tecnologia intitulada 3D+ que explicamos anteriormente.

Dito isto, é seguro afirmar que Projeto Gemini (Gemini Man, 2019) é sim um filme ambicioso e que pretendia apresentar uma nova forma de fazer e ver cinema, especialmente quando falamos de cinema de gênero, onde tais tecnologias podem ser melhor usadas. De fato, o efeito que tal tecnologia causa é impressionante, mas, para mim, acabou causando também um enorme estranhamento. Muitas vezes tive a impressão de estar vendo uma cena de um game (e a direção de ação de Lee favorece essa percepção), ou talvez algo como uma novela, o fato é que jamais havia tido uma experiência como aquela no cinema. Esse incômodo que senti pode talvez ser creditado ao nosso costume de ver filmes no tradicional 24 FPS, padrão há muito tempo delimitado pelo cinema, então é natural que o realismo de uma exibição em mais que o dobro desta taxa de quadros cause um desconforto aos olhos habituados.

Por outro lado, é preciso lembrar que um filme não é feito apenas de técnicas e efeitos especiais e, a não ser que se trate de algo mais experimental, é necessário uma narrativa que prenda a atenção do expectador e não torne o ato de assisti-lo cansativo demais. Neste quesito Projeto Gemini é um desastre. Com um desenvolvimento preguiçoso e resoluções esdruxulas, o que parece é que o diretor queria apenas uma desculpa para testar suas novas ideias, sem se importar com enredo algum, e é impressionante que o filme precise de nada menos do que três roteiristas para entregar o que vemos nestas duas horas, entre eles David Benioff, um dos responsáveis por Game of Thrones (2011 – 2019).

Não posso dizer ainda se Ang Lee inicia uma nova maneira ou um novo padrão na industria cinematográfica, mas posso estar sendo um velho ao afirmar que Cameron tentou isso com Avatar e de fato gerou uma revolução, não tanto tecnológica, como o mesmo queria, mas sim econômica, criando uma forma de nós, expectadores, gastarmos mais dinheiro com algo que ao invés de nos proporcionar uma experiência de cinema mais interessante precariza ainda mais a forma de vermos os filmes. Não digo que isto seja culpa do diretor de Titanic, mas é preciso ter em mente que o cinema, especialmente o feito por Lee ou Cameron, está inserido em uma indústria de entretenimento, e qualquer oportunidade de fazer seus consumidores darem ainda mais grana para comprar o que nem pediram pra consumir, ou seja, de impor um novo padrão, como é o 3D ou como foi os 24 FPS desde vários anos atrás, será aproveitada. Minha esperança é que esta gana por novidade não afete futuramente nem meu bolso nem minha experiência dentro de uma sala de cinema.