No período entre o final do ano e o início do ano seguinte, começam a ser lançados os filmes com “cara de Oscar”. Os produtores sabem quais são os filmes que mais tem chance de abocanhar algum prêmio da academia. E nesta época existe o típico filme produzido tão somente para ganhar Oscar, em que toda a história gira em torno do personagem principal. Quase que dizendo pra quem assiste: olha pra esse ator, presta atenção no que ele é capaz de fazer. É o caso de O Destino de uma Nação (Darkest Hour, 2017) em que todos fazem o possível para fazer com que Gary Oldman possa brilhar (e tudo indica que o Oscar de melhor ator será para ele mesmo). E este também é o caso de Roman J Israel, Esq. (2017) que é uma forma tardia de remediar a injustiça ocorrida na premiação de 2017.
Denzel já havia recebido uma indicação ano passado utilizando esta mesma técnica, no drama teatral
Um Limite Entre Nós (Fences, 2016), em que não conseguiu vencer, mas sua companheira de tela, Viola Davis, levou o prêmio de atriz coadjuvante (na realidade atriz principal) para casa.
Nesta trama, Roman J. Israel (Denzel Washington) é um advogado inadequado socialmente, com traços de autismo, mas que é um gênio em matérias jurídicas. Ele atua sempre em segundo plano, dando consultoria ao seu amigo e único sócio do escritório, que vai ao tribunal e atende aos clientes. Eles atuam em muitos casos assistencialistas, sem visar o lucro. Mas sua rotina muda completamente quando seu sócio tem um ataque cardíaco e fica impossibilitado de continuar a advogar. A situação fica ainda pior, quando a firma de advocacia de George Pierce (Collin Farrell), advogado mais interessado no dinheiro que na solução dos problemas de seus clientes, absorve todos os casos do seu escritório, desviando da intenção idealista do trabalho de Israel.
Esta produção é dirigida e roteirizada por
Dan Gilroy, que também dirigiu e roteirizou o ótimo
O Abutre (Nightcrawler, 2014), em que Jake Gyllenhall passeia pelas noites de Los Angeles tentando filmar cenas chocantes e sensacionalistas. Aqui, a mesma cidade é filmada quase sempre de dia, mas dá pra notar que foi escolhida uma parte não tão badalada da cidade, principalmente porque não conseguimos reconhecer nenhum cartão postal.
O contraste entre o grande e famoso escritório de advocacia e a ONG que presta serviço comunitário é evidente. Mas não dá pra entender qual é a relação entre a história principal e a cena em que Roman discursa para uma platéia de adolescentes sobre a importância de manifestações e protestos sociais.
Outro ponto levantado por Roman, mas que não é bem desenvolvido, é o fato de que o sistema judiciário americano prioriza a solução dos casos através de acordos e não de julgamentos. Esse costume faz com que pessoas que não podem pagar por sua defesa aceitem acordos que não as favorecem para não enfrentar dispendiosos julgamentos, que nem sempre vão ser justos ou trazer a verdade à tona.
No início, parece que Roman vai se adequar ao novo trabalho, tanto que chega a fazer amizade com um estagiário que solicita sua ajuda. Mas a história se perde quando ele toma uma atitude irresponsável e ilegal que coloca a sua vida e a de terceiros em risco. Só pra se arrepender logo em seguida e tentar consertar o erro que cometeu.
Denzel Washington está muito bem no papel, interpretando um personagem que tem trejeitos e tiques bem marcados, a câmera o persegue quase que psicopaticamente, e os outros atores são claramente coadjuvantes. Há muito poucos momentos em que não estão contracenando com o personagem principal.. Mas que são complementados por pequenos e sutis movimentos de rosto que mostram a tensão porque ele está passando, fruto de seu longo trabalho teatral. Sua indicação ao Oscar foi justa.
Roman J Israel, Esq é um filme com um personagem muito interessante, mas que se perde no desenvolvimento, não sabe que história contar pelo excesso de foco no personagem e falta de atenção à história.
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Fábio Moreira
Ex-triatleta, pai de dois, podcaster e cofundador do site Sabre Na Noz. Adora a maratona do Oscar e acredita que um dia a DC/Warner vai acertar.
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