XVI. E agora, o que me resta é montar a lista das melhores músicas da Legião Urbana de toda MINHA VIDA. Aos colegas puristas, peço desculpas por diversas ausências (Será, Tempo Perdido e Pais e Filhos nem sequer foram cogitadas). Apesar de ser a primeira música que aprendi a cantar do começo ao fim (e haja treinos), Faroeste Caboclo é épica demais para entrar numa lista. Metal Contra as Nuvens (outra épica). É uma lista fortemente afetada pelo meu fascínio por faixas do lado B – aquelas músicas não são necessariamente, sucessos radiofônicos e que fica entre as últimas faixas do álbum. É uma lista passível de mudanças e nunca será definitiva.
“Ninguém vai me dizer o que sentir/ E eu vou cantar uma canção p’rá mim”
XVII. Então ela ficou mais ou menos assim, (aviso antes, LEIA NO VOLUME MÁXIMO):
1. TEOREMA (Legião Urbana, 1985)PERFEIÇÃO (O Descobrimento do Brasil, 1993) – por estarmos em pleno 2016 –
Era para ser “Teorema” (do primeiro disco), mas o que está rolando ao longo do ano de 2016 foi determinante para que mudasse para “Perfeição”. A música produzida em 1993 cai como uma luva sobre o momento que vivemos em nosso país. Tá lá basta lermos a letra para fazermos algumas analogias de 2016:
“Vamos celebrar a estupidez humana” (“FASCISTAS NÃO PASSARÃO!”)
“A estupidez de todas as nações” (TRUMP, O NÃO NA COLÔMBIA, A XENOFOBIA COM O POVO SÍRIO NA EUROPA)
“Vamos celebrar nosso governo (“FORA TEMER”)/ E nosso Estado, que não é nação” (CONSTITUIÇÃO RASGADA)
Celebrar a juventude sem escola (OCUPAÇÕES). E por aí vai! As críticas que Renato faz a si e a seus contemporâneos formam um mural desbotado de nossa sociedade.
2. BAADER-MEINHOF BLUES (Música Para Acampamentos, 1992)
A música fala sobre a violência em nosso cotidiano. Hoje, mais do que nunca, ela nos “fascina” com seus programas policiais televisivos. A canção recebeu o título em referência a um dos principais grupos da extrema esquerda européia, o Baader-Meinhof, chefiado por Andreas Baader e Ulrike Meinhof; surgido na Alemanha nos anos 70. A versão que saiu no álbum “músicas para acampamento” potencializa mais o tema com Renato Russo narrando uma abordagem policial antes de iniciar a música.
3. ANDREA DORIA (Dois, 1986)
Maravilhosa analogia de um fim de relacionamento com um naufrágio. O título é uma referência ao transatlântico italiano Andrea Doria que naufragou em 1956 quando realizava uma viagem entre Genova e Nova Iorque. Entre os mais belos versos escritos por Renato, alguns se encontram nesta canção que contribuem para que o fim do relacionamento de um casal seja encarado de forma madura. Não deixa de ser um Titanic italiano sem final feliz, mas sem um fim trágico como o de Jack e Rose.
4. FÁBRICA (Dois, 1986)
Como as engrenagens de uma fábrica que funciona incessantemente, tudo funciona nesta música: a introdução do baixo/ guitarra e a entrada da bateria anunciam a voz de um operário denunciando as condições de trabalho e reivindicando por novos tempos. Renato parece que canta sobre um palanque improvisado de frente a uma fábrica num dia de greve. Ele conversa, grita, se asfixia e desafia. Render? Nunca! E “que venha o fogo então”.
5. DEPOIS DO COMEÇO (Que País é Este, 1987)METAL CONTRA AS NUVENS (V, 1991) – vou deixar esse lance de épica pra lá e vou incluí-la porque sim-
O governo Collor, apesar de curta duração, ganhou uma canção (a mais longa da banda) poderosa, um verdadeiro drama épico de brasileiros que viveram no país no início dos anos 90, consequentemente, tiveram que enfrentar o governo Collor e seu estabanado plano econômico. Estão lá: recessão, confisco das poupanças (para aqueles que não guardaram o seu tesouro) inflação (soprando como um dragão) e as promessas de Collor que se tornaram mentiras também são mencionadas.
6. MAIS DO MESMO (Que País é Este, 1987)
A pegada bem rok and roll da canção nos convida a nos mexer, porém se prestarmos atenção à letra, dá para se perceber uma conversa bem áspera entre um cara da favela com um burguês que sobe o morro a procura de drogas. Na verdade, parece mais um grande esporro que o playboy viciado recebe, bem gritado ao pé do ouvido. A música carrega uma mensagem mais direta e com menos simbolismo e de quebra (em sua última estrofe) dá uma “rolada” na mídia que insiste em padronizar nossas preferências com seus programas e anúncios comerciais. Com uma atitude dessas é pra queimar o filme!
7. EU SEI (Que País é Este, 1987) – a primeira e única que aprendi no violão –
Por quê? Porque foi a primeira que ouvi nas rádios (Será, Quase sem querer, Faroeste Caboclo vieram depois); Porque foi a primeira que aprendi a cantar (depois veio a Faroeste); porque foi a primeira e única canção que aprendi a tocar no violão. Tempos depois, percebi que na canção rolava um lance de traição. Será que sexo verbal que rola através do telefone por horas e horas se configura em traição? Eeeeeeu não seeeeeiiii! E também não sei por que a música se chamava anteriormente de “18 e 21”.
8. MAURÍCIO (As Quatro Estações, 1989)
De um suposto namorado de Renato (que nunca foi confirmado pelo cantor), surge uma bela canção de amor ausente. O amor que se foi, que nos faz desabafar e que nos nutre de esperança pela sua volta estão presentes. Não há música da banda em que o teclado apareça de maneira mais marcante. Como várias músicas da Legião (Metal contra as Nuvens, Duas Tribos, entre outras), esta faixa tem um desfecho positivo, cheio de esperança pelo retorno de quem se ama. E se esse amor fosse de um outro homem, (o Maurício do título)? E daí? Talvez os chocados puritanos da época não entenderam “Meninos e Meninas” – a faixa que vem logo após Maurício e uma das primeiras trabalhadas nas rádios do quarto disco.
9. 1965 (DUAS TRIBOS) (As Quatro Estações, 1989)
Fazendo referências explícitas ao período ditatorial vivido pelo país entre 1964 e 1985. O título da música refere-se ao segundo ano de ditadura (o real motivo de Renato Russo trocar 64 por 65, eu desconheço), momento em que os militares retiraram os direitos políticos de várias pessoas (artistas, estudantes e políticos contrários ao regime). Duas tribos, civis e militares. O lado escolhido pelo artista é bem claro ao longo da canção. A música fala de tortura (cortaram meus braços/ cortaram minhas mãos). O menino que foi morto e eu não tinha arma nenhuma pode ser uma referência ao estudante secundarista Edson Luís – assassinado por policiais militares em 1968. E as desigualdades sociais que se agravaram com a chegada do “Milagre Econômico”. O verso “O Brasil é o país do futuro” faz uma referência à obra do escritor judeu Stefan Zweig (1941). Até quando seremos a nação do futuro? Acredito que o verso faz referencia que o país não pode ter mais um passado tão obscuro quanto ao regime ditatorial.
10. SE FIQUEI ESPERANDO O MEU AMOR PASSAR (As Quatro Estações, 1989)
Como é bom amar (independente de uma correspondência imediata), né? Poderia ser assim que Renato Russo apresentando a última faixa do quarto álbum. O amor ou a espera desse amor nos provoca ansiedade, nos deixa fortes, dá sentido a coisas que parecem não ter sentido. Porém essa espera nos põe em dúvida sobre nossos desejos. Uma das músicas da banda que apresenta uma áurea religiosa (os gritos de Renato Russo no meio da música soam como o canto gregoriano de desespero). Como no ato litúrgico católico (Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo) em que o corpo e o sangue de Cristo são consagrados, na canção, o amor é sacrifício e também consagração.
11. SERENÍSSIMA (V, 1991)
A natureza humana é traduzida pelos dois primeiros versos da canção. Era o momento em que o artista já sabia da sua condição de soropositivo e convivia como momentos de solidão, depressão, drogas e sobriedade. Entretanto, ele teve lucidez para traduzir seus sentimentos numa letra que parece um grito (e eles estão lá, literalmente!). Não de dor, mas um grito de desabafo que o turbilhão vai passar e ele vai continuar (“Enquanto o caos segue em frente/Com toda a calma do mundo”).
12. O MUNDO ANDA COMPLICADO (V, 1991)
Uma das canções mais singelas feita pela banda se encontra justamente num dos álbuns mais pesados da Legião. Parece-me que ela foi feita para figurar entre as últimas faixas do álbum “As Quatro Estações” – aquelas que falam de amor – e escorregou para o vendaval chamado V. Uma letra de uma simplicidade carinhosa que fala do cotidiano do amor na vida de um casal feliz que inicia uma vida a dois. Primeiro, vem o encantamento de estar com o outro e as mudanças para o novo lar. Depois, vem os amigos, os probleminhas do dia-a-dia e por fim, os votos para que esse amor seja renovado. Uma delícia de letra e melodia.
13. “ÍNDIOS” (Acústico MTV, 1999)
Confesso que só vim reparar na letra quando passei a ouvi-la na versão acústica (que lembra muito um fado). Depois que descobri a grandeza dessa música, já a usei em sala, durante as aulas de Brasil Colônia para falar de escambo, antropofagia, catequese, etnocentrismo, genocídio, etnocídio. As aspas colocadas no título já nos mostra que os índios em questão não são apenas aqueles dizimados ao longo de nossa história, nos dias de hoje, somos tão espoliados quantos os povos indígenas de séculos atrás. O mundo continua doente, o estrangeiro continua a nos ver como exóticos, a nação continua sendo espoliada pelo capital estrangeiro e por nossos políticos corruptos. Já não recebemos espelhos, e não se chora por um povo que merecia muito mais.
14. OS BARCOS (O Descobrimento do Brasil, 1993)
Quem nunca recusou o fim de um amor? Quem já esbravejou por perder alguém que não deveria, em hipótese alguma, ir embora? Quem já se recusou a dar o braço a torcer numa discussão amorosa? Por que nos relacionamentos findados sempre tem alguém que ainda gosta do outro? Por que gritamos aos quatro ventos nossas perdas amorosas? Saber essas respostas é saber o caminho das pedras, ou melhor o caminho dos barcos. É saber como sair do sofrimento causado pela perda de quem se ama. E não deixa de ser uma forma de se endurecer para evitar sofrimento nos próximos relacionamentos. A letra e a voz de Renato estão lá pra nos mostrar que o fim de um relacionamento machuca e muito, além de provocar sentimentos (rancor, desdém, raiva) que sepultam cada vê mais o que não vai voltar.
15. VAMOS FAZER UM FILME (O Descobrimento do Brasil, 1993)
O que dizer de uma canção que nos dá vontade de colocar nos braços e embalá-la como se fosse um filho ou um novo amor? Mais amor por ela! Mas bem que poderia ser o hino de qualquer turma de 3º ano no último bimestre, quando cai a ficha que aquela época de nossas vidas está chegando ao fim. Dali pra frente serão novos amigos e novas experiências e que toda lembrança daqueles bons momentos poderão evocadas por aquela velha foto que a gente acha por acaso no meio de nossas coisas.
16. GIZ (O Descobrimento do Brasil, 1993)
“Essa é a música que eu mais gosto, é a letra que eu mais gosto, é a coisa que eu mais fico feliz de ter conseguido fazer” (1994). E foi assim que Renato Russo se referiu à canção. Quem sou eu para contrariar o cantor. Ela tem a cara de 1994. Um sucesso radiofônico que embalou os últimos anos de meu Ensino Médio. Desafio alguém a encontrar uma canção da banda em que Renato Russo empregou uma voz tão suave quanto em Giz. O sentimento de saudade é muito forte na letra. É saudade da infância, saudade de quem se foi. Nada de dor, só o reconhecimento de uma pessoa importante em sua vida. Numa época de que o axé e o pagode invadiam as rádios, Giz conseguiu entrar na trilha sonora dos casais apaixonados da época.
17. L’AVENTURA (A Tempestade ou o Livro dos Dias, 1996)
O título dessa canção seria uma homenagem à obra homonina de Michelangelo Antonioni de 1960? Talvez, Renato era fã do cinema italiano. No filme (que faz parte da trilogia da incomunicabilidade do cineasta italiano), uma jovem burguesa frustrada desaparece sem deixar rastros. Na canção, o cantor deixa rastros de sua frustração. Sua decepção pelas pessoas. A música foi produzida numa época em que Renato estava cada vez mais recluso, debilitado pela doença; e mesmo de seu esconderijo, ele queria se comunicar. Assim como em outras faixas dos últimos álbuns da Legião, a voz do vocalista está fragilizada e isso ressalta seus sentimentos de decepção. Mesmo no meio de uma tristeza, o cantor nos ofertou belos versos sobre liberdade e o futuro: Quem pensa por si mesmo é livre/ E ser livre é coisa muito séria/ Não se pode fechar os olhos/Não se pode olhar pra trás/ Sem se aprender alguma coisa pro futuro.
18. ESPERANDO POR MIM (A Tempestade ou o Livro dos Dias, 1996)
As últimas obras escritas por Renato Russo eram cheias de despedidas e esta canção é mais uma delas. A voz cansada descreve o momento do cantor no primeiro semestre de 1996. Fisicamente fraco, o prazer de pequenas coisas o animava (ouvindo os pingos da chuva ou caminhando com seu pai); a solidão, que foi tão dura com ele, foi batizada como o mal do século; a autocrítica estava presente. E no final da canção ou no final de sua vida, lhe ficou a certeza, de tudo que disserem sobre ele não mais importará. Seus dias serão para sempre!
19. MARCIANOS INVADEM A TERRA (Uma Outra Estação, 1997) VENTO NO LITORAL (V, 1991)
A música que mais me traz sensações. Ouvi-la atentamente nos transportar para um fim de tarde à beira-mar, com areia molhada sob os pés, o vento no rosto, as ondas se apequenando diante de nossos olhos e a noite chegando. Tem momentos de nossa vida que só queremos um lugar para ficar só, para refletirmos sobre a vida e termos um pouquinho de pena de nós mesmos; “Vento no Litoral” nos traz tudo isso através do paralelos que são traçados entre a imensidão do mar e a vida em que ambos continuam, incessantemente. É uma canção que fala de estar no próximo do mar, mas que não foi feita para os sempre alegres luaus.
20. ANTES DAS SEIS (Uma Outra Estação, 1997)SETE CIDADES (As Quatro Estações, 1989)
Troquei de música, mas mantive o clima romântico. Nunca havia reparado bem nesta música, confesso o que mais me chamava era a presença da gaita durante boa parte da faixa. Depois de muito tempo, li e reli a música e ouvi e reouvi a letra (dessa maneira mesmo!) e me apaixonei tardiamente pela música. Vi que aquilo era um poema de amor correspondido, que até doe quando ele se ausenta. São dezessete versos de um amor que pode ser possessivo, impaciente e dependente. Em 1990, Renato Russo disse que “Sete Cidades fala do amor carnal. Sobre quem ama quem não está perto. É como se faltasse um pedaço”.
“Vem e me diz o que aconteceu/ Faz de conta que passou”
XVIII. O curioso dessa lista é que boa parte dela coincide com as músicas que pus numa fita cassete da marca BASF, lá pela metade dos anos 90, quando os primeiros álbuns da Legião foram lançados em CDs. A fita não ficou bem gravada. Algumas faixas começavam antes mesmo de acabar a anterior. Umas faixas saíram mais baixas do que o normal. Apesar dos defeitos, eu a ouvia bastante. Era um mosaico musical, remendado de lembranças de épocas diferentes de minha vida.
“Sei que às vezes uso palavras repetidas/ Mas quais são as palavras que nunca são ditas?”
XIX. É exatamente o que esse texto é, ou que nem pretendia ser: uma compilação de várias músicas aleatórias e às vezes sem nexo que se colocavam numa fita cassete. Ao invés de músicas, seria uma homenagem a um “ídolo” (ainda acho esse termo muito forte) através de algo que mexesse com minha memória afetiva, mas que fosse descritivo e cheio de divagações, que tivesse listinha, tendo Renato Russo como aquilo que une todas as ideias soltas e sentimentos sinceros.
“Quero ter alguém com quem conversar/ Alguém que depois não use o que eu disse/ Contra mim”
XX. Se a fita ficasse boa, você copiava para os amigos; se não ficasse, você guardava e escutava de vez em quando, esperando uma oportunidade para gravar algo por cima. No caso do texto que estou finalizando, arrisco compartilhar. Afinal sempre haverá alguém disposto a trocar uma fita cassete com coisas bacanas por outra. BEM-VINDO AOS ANOS 90.
Um ser urbano que ama sua cidade e sonha diariamente com dias melhores para o mundo, nas horas vagas é professor de História. Não perdeu a mania de anotar todo filme que assistiu. Entre Histórias, filmes, músicas, realidade e sonhos; um negro em movimento que deseja fugir com o primeiro circo que aparecer na porta de sua casa.