Dois Dias, Uma Noite (Deux Jours, Une Nuit, 2014) é um filme sobre o egoísmo e sobre o desespero.
Este talvez seja o mais simples dos filmes dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, o que, de maneira nenhuma, quer dizer que seja um filme ruim. Muito pelo contrário, sua simplicidade é parte de sua beleza.
Trata-se mais uma vez de uma estória de crise. Não só uma crise econômica, mas também, como em Rosetta (1999) e A Criança (L’enfant, 2005), uma crise pessoal. Aqui, no caso, somos apresentados logo no início do filme aos problemas de Sandra (a ótima Marion Cotillard), que após uma licença do trabalho por conta de uma doença descobre que teve seu emprego colocado em votação pelos colegas de trabalho que ganhariam um bônus salarial após sua possível demissão. No entanto, apesar de bastante abalada, Sandra consegue, com a ajuda de uma amiga, que uma nova votação seja realizada. Assim, para tentar manter o emprego Sandra tem um fim de semana (os dois dias e uma noite que dão título ao filme) para visitar todos os colegas de trabalho e convencê-los de sua necessidade.
Chega-se, assim, no clássico dilema: “Você ganha, eu perco. Você perde, eu ganho”.
Apesar de torcermos desde o início para que Sandra consiga seu objetivo, algo raro na filmografia dos Dardenne (eu cheguei a contar em uma caderneta os colegas que recusariam ou que ficariam com o bônus), nos deparamos com os problemas pessoais das outras pessoas. Necessidades que podem parecer pequenas para nós, mas que também podem nos dar o mesmo sentimento de empatia que temos com a protagonista. Procuramos entender essas necessidades, e sentimos, junto a Sandra, a vergonha e, às vezes, a humilhação no que está fazendo, causando, por vezes, ainda mais problemas aos colegas a quem visita.
O desespero de Sandra e ao mesmo tempo seu cansaço (causados também pela recente recuperação de sua doença) são visíveis pelos comprimidos que está sempre tomando e pelo tempo que dorme no carro dirigido por seu marido Manu (Fabrizio Rongione), que a leva de casa em casa. Desespero este aliviado apenas nas vezes em que alguns dos colegas decide por abdicar de um dinheiro que também precisa em auxílio de uma colega (destaque para a comovente cena em que um dos colegas se emociona arrependido de ter votado pelo bônus na primeira votação, mesmo Sandra tendo o livrado de um problema no passado, levando-nos a talvez o momento de maior alegria da protagonista em todo o filme).
A direção, característica dos experientes cineastas belgas, com câmeras que acompanham a trajetória da personagem sem perdê-la de vista um só momento, é impecável, mais do que justificando a indicação do filme à Palma de Ouro em Cannes.
Mesmo tendo um final previsível, principalmente para quem é familiarizado com os filmes dos irmãos Dardenne, ou seja, um desfecho não tão feliz, ficamos felizes sim com a última atitude de Sandra e percebemos o aprendizado da protagonista nestes difíceis dois dias e uma noite.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.