Comecei a ver Wayward Pines por pura curiosidade. Não sabia absolutamente nada da série. Comecei apenas pelo hype que ela estava causando, pela quantidade de vezes que eu a via sendo citada em minha timeline do facebook (que é a forma como cheguei em várias das séries que eu vejo ou já vi).
Comecei o piloto sem muita perspectiva, jogado na cadeira que é como eu estou 80% do tempo quando estou na frente do computador assistindo alguma coisa. Quando o episódio terminou eu estava com as costas eretas sem se apoiar no encosto da cadeira e com a perna mexendo para cima e para baixo freneticamente (um tique tão antigo quanto eu mesmo). Este sinal já acertou muitas vezes em cheio, era assim que eu estava quando terminei os pilotos, por exemplo, de Breaking Bad e de House of Cards, duas das minhas séries favoritas, mas algumas vezes também já errou feio como foi o caso de The Walking Dead e, mais recentemente, de The Last Man on Earth.
Pois bem. Depois de ver o piloto me deti em alguns minutos de pesquisa. Entre todas as coisas que descobri três delas merecem destaque: 1. a série é uma adaptação da trilogia (ou seria apenas do primeiro livro?) do escritor Blake Crouch; 2. foi planejada como uma mini-série, ou seja, teria apenas uma temporada, finalizando ao fim de dez episódios; e 3. tem como principal produtor o cineasta M. Night Shyamalan, que dirige o, não menos que ótimo, piloto.
Shyamalan, todos conhecem, teve o início de sua carreira com o filme O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), um dos plot twist mais famosos do cinema, vindo nos anos seguintes com Sinais (Signs, 2002) e A Vila (The Village, 2004), o que tornaria o “elemento surpresa” algo como uma marca do cara. Infelizmente a vida é feita de escolhas e, aparentemente, nos anos seguintes, o homem que já era chamado de o novo nome do suspense (em referência ao mestre Hitchcock), só fez escolhas erradas. Fez merdas que eu nem vou me atrever a citar aqui.
Em resumo, a série trata de um agente da cia que vai a uma pequena cidade do interior de Idaho para investigar o desaparecimento de outros dois agentes. No caminho ele sofre um acidente de carro, acordando no meio da floresta. Ao chegar na cidade ele percebe que se trata de uma sociedade estranha, e começa a pegar algumas pistas sobre o lugar. Tenta sair da cidade, mas descobre que a mesma está rodeada por uma enorme cerca de contenção.
Até o quinto episódio (The Truth) eu estava muito empolgado. A série tinha um ar de mistério que eu curto muito e que me fez lembrar de Twin Peaks e das primeiras temporadas de Lost e o fato de ter o nome de Shayamalan na produção me deu uma esperança de redenção do diretor nos presenteando, em forma de série, com o gênero que tanto o interessou em início de carreira. O elenco não era perfeito, Matt Dillon nunca foi um ator do meu gosto e o garotinho que faz o filho do protagonista (Charlie Tahan) é péssimo, temos um Toby Jones mais esquisito do que já aparenta e o trio de atrizes Carla Gugino, Juliette Lewis e Shannyn Sossamon estão razoáveis. Por outro lado, o xerife Pope vivido por Terrence Howard é apavorante de tão intimidador, sempre tendo à mão aquele sorvete bizarro e ostentado um sorrisinho irônico detestável. Mas o principal destaque é a enfermeira Pam, interpretada por uma inspirada Melissa Leo, tão assustadora que me remeteu instantaneamente ao hospital psiquiátrico de Ilha do Medo (Shutter Island, 2010), a personagem me lembrou bastante a impressionante Jessica Lange na primeira temporada de American Horror Story.
No entanto, este quinto episódio (exatamente o meio da série) nos trouxe a revelação fundamental de toda a trama, e o que poderia ter se tornado algo bem interessante, com um potencial ainda maior do que já tinha antes, acabou virando um festival de desastres. A discussão sobre a natureza autodestrutiva dos seres humanos ou as possibilidades de explorar a experiência psico/social daquela situação não são completamente ignoradas, mas são pouco e mal aproveitadas. A série passou de um belo suspense psicológico que prende o expectador pela curiosidade e pela ansiedade, para uma ficção científica fajuta com toques de um terror extremamente mal construído. Explicações excessivas, flashbacks desnecessários e personagens hiper manjados. A série praticamente se transformou em outra completamente diferente da metade pro fim. Não digo que a revelação em si do mistério tenha sido ruim, o próprio segredo revelado é uma ótima (mas não tão inovadora) ideia para uma boa ficção científica distópica, o problema é COMO esta ideia foi construída.
Podemos tirar disso duas importantes lições:
1. apenas uma boa ideia não faz uma boa série, é preciso dar substância ao roteiro para que esta ideia vingue de fato. Under the Dome, Revolution e Terra Nova já haviam nos ensinado isto.
2. Em uma ficção científica de suspense importa muito menos a revelação final do que o desenvolver dos personagens até chegar nela. Lost está lá para nos mostrar isto, pouco me importa se o final foi bosta ou não, o que importa são os momentos emocionantes que passei até chegar nele.
PS: Tenho que admitir que realmente fiquei com muito medo das criaturas (aberrações) na série.
PS²: Um filme muito bom, mas pouco lembrado do Shyamalan, é Corpo Fechado (Umbreakable, 2000), se puder veja.
PS³: Eu nunca terminei de ver Lost, então não me pergunte o que é que eu acho. Mas um dia terminarei, aí a gente conversa (prometo Mylla!).
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.