[ATENÇÃO, ESTA RESENHA CONTÉM SPOILERS]
Obs.: Essa resenha não tem por finalidade incentivar a raiva e o ódio, o autor acredita que é possível haver diálogo entre aqueles que gostaram do filme ou não.
A frase que dá título à essa impressão sobre o filme Batman V Superman é retirada de um outro filme de quadrinhos – Superman: O Retorno (Superman Returns, 2006), dirigido por Bryan Singer. Ela é usada por Lois Lane após o sacrífico do herói para impedir o surgimento de uma ilha de kryptonita. Utilizei dela aqui, pois acho que define bem o filme.
No meu caso, há duas maneiras de analisar esse filme: 1 como estudante de cinema; 2 como fã de quadrinhos. Uma não excludente da outra, claro. O que faz que eu divida assim é tão somente o fato de que quero deixar dividida essas minhas duas paixões.
Como estudante de cinema, vejo que o filme é bem realizado, embora não traga nenhuma novidade no tocante a linguagem ou tentativa de inovar em algum aspecto, no filme anterior O Homem de Aço (Man of Steel, 2013), o diretor Zack Snyder nos apresenta um filme muito fragmentado com flashbacks e flashfowards o tempo inteiro, cenas em Krypton e na terra, muito uso de montagem paralela etc; em Batman V Superman a história é mais linear, os eventos se passam pouco tempo depois do filme O Homem de Aço e a narrativa segue sem muitas interrupções. Contudo, vale salientar o talento que o diretor tem para filmes de super-heróis (lembrando que ele foi responsável por trazer às telas as adaptações da obra-prima Watchmen, de 2009 e 300, de 2006), muitos enquadramentos e direcionamento de atores no filme fazem parecer uma história em quadrinho gigante com atores de carne e osso (destaco duas cenas o início da luta do Batman V Superman e aparição da Mulher Maravilha). Todavia, para mim, o filme tem dois pontos fortíssimos: 1) design de produção, os figurinos, a paleta de cores, os uniformes dos heróis estão muito bonitos visualmente falando; 2) roteiro, o roteiro desse filme para mim é o grande diferencial, para quem não sabe ainda, o filme tem influência forte, no mínimo, de quatro grandes histórias da DC comics, ele é muito bem escrito amarrando essas histórias a fim de criar uma história própria para o cinema, cheio de referências, o que se chama normalmente de “fan service”, é um deleite para os fãs fervorosos da DC. Desde o início o roteiro cumpre bem o papel de apresentar esse novo Batman (tão diferente do Batman da trilogia Cavaleiro das Trevas, dirigida por Christopher Nolan, mas ,ainda assim, um ótimo Batman). Os roteiristas ainda fazem questão de deixar pontas soltas para serem amarradas em um futuro filme da Liga da Justiça. O único ponto negativo em relação ao filme é o uso em excesso de CGI e cenas noturnas, a luta contra o Apocalipse é um pouco esquisita por conta disso, mas nada que estrague.
Agora, como fã de quadrinho, eu fui surpreendido, Ben Affleck é o melhor Batman do cinema, as pessoas costumam rotular o homem-morcego de diversas coisas (detetive, ninja, agente da swat, etc.), mas poucos lembram o que o Batman realmente é: um homem traumatizado e com vários problemas sociais, não só pela morte dos pais, mas por todos aqueles com quem ele se envolveu. O filme faz questão de enfatizar quando, mais uma vez, reconta a morte dos Wayne e ao longo do filme quando Bruce visita os túmulos dos pais, a mansão Wayne destruída, o uniforme do Robin pichado. Esse trauma é o que move o personagem, suas ações e suas atitudes. Em Batman V Superman temos justamente esse Bruce/Batman traumatizado, paranoico, vendo a todos como inimigos, a atuação do Affleck é determinante para isso, ele está muito bem no personagem, todas as suas ações, olhares e gestos refletem isso. Na cena da explosão do tribunal, onde o Bruce Wayne recebe um papel com dizeres “Você deixou sua família morrer”, percebemos no ator toda essa frustração que cerca o personagem. As cenas de ação são ótimas, seja na luta física ou no batmovel ou batwing, além do uso dos widgets, enfim, tudo está sincronizado para mostrar esse Batman amargurado e sem paciência (claramente inspirado no Cavaleiro das Trevas do Frank Miller), o que distancia o Batman de Affleck do vivido por Bale, que justamente o faz ser melhor, o homem-morcego de a origem da justiça é um caçador calejado e que não mede esforços para se atingir seu objetivo, ele é muito mais violento, muito mais detetive.
O Superman de Henry Cavill é muito bom, claramente o ator está muito mais à vontade fazendo o papel do que estava em O Homem de Aço, como o personagem já tinha sido apresentado, aqui ele, ainda um Clark Kent entendendo o que é ser um herói, ainda um jovem Super-Homem sofre as consequências do primeiro filme, a destruição, a morte de Zod e todo o jeito que o mundo lida com o Superman, as cenas dele com a Lois Lane são muito boas, Amy Adams também está muito bem no filme, apesar de às vezes fazer coisas sem sentido, como jogar a lança no mar, contudo, se pararmos para analisar, ela está tentando se livrar daquilo que faz mal ao homem que ela ama; a personagem não sabe o que é Kryptonita, não sabe quem é o Apocalipse, então ela tem uma atitude natural ao jogar fora a lança.
A grande surpresa, contudo, foi a Gal Gadot como Mulher Maravilha. Os críticos que falaram que ela não sabia atuar, que ela não tinha corpo da personagem vão ter que morder a língua. Ela está muito imponente como Diana, ela tem a atitude da personagem, suas ações, a maneira como luta, até seu laço aparece no filme. Apesar de pouco tempo de tela, ela convence como Mulher Maravilha e promete muito mais tanto em seu filme como no da Liga.
O Lex Luthor está diferente do que estamos acostumados, mas isso não quer dizer que é ruim. Só quer dizer que é diferente. Jessie Einsenberg também está muito bem, acho que ele foi bem construído sem que fosse necessário contar sua origem, o personagem está bem psicótico e manipulador, essa última característica é fundamental para um Lex, a única coisa que não gostei foi o fato dele ter que revelar o seu plano, não acho isso um recurso muito bom, serve só para explicar o que talvez não precisasse.
Sobre o filme de uma maneira geral:
Eu consegui notar referências à cinco grandes quadrinhos da DC Comics: Cavaleiro das Trevas, Flashpoint, Injustice, A Morte do Superman e Reino do Amanhã. O filme dialoga muito bem essas histórias, deixando tudo bem amarrado e com pontas soltas para serem explicadas no futuro. Há uma cena clara de viagem no tempo que deixa qualquer fã de quadrinho e do Flash muito empolgado, indícios de num futuro o Superman perder a cabeça e matar a todos; além da luta entre o Batman e Superman e a Morte pelo Apocalipse.
A grande surpresa do filme foi a aparição do Flash em uma clara menção a viagem no tempo, era inesperado, os trailers não entrega nada disso (ainda bem!) e foi uma surpresa muito agradável. Outra coisa que foi bastante comentada foi a aparição dos membros da Liga da Justiça, é coerente alguém psicótico como Lex Luthor pesquisar sobre Meta Humanos, também é muito quadrinhos a maneira como é apresentado, Batman obtendo essas informações, decodificando e enviando para a Diana.
Outro ponto que vale a pena destaque é o ambiente de quadrinhos que gira em torno do filme, toda a questão midiática, manchetes em jornal, debates, entrevistas etc, parecia que as páginas de O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller estavam ali, toda a questão moral, se é realmente necessário nós termos heróis no mundo, se o que eles fazem é correto, tudo isso veio do quadrinho de 1986 do Miller.
Contudo para mim, a melhor cena do filme é quando o Batman está subjugando o Superman e um pouco antes de ser ferido mortalmente o Super fala “Martha” para que o Batman resgatasse a mãe dele que era refém do Lex Luthor, a menção desse nome deixa Bruce desestabilizado (pois sua mãe também era Martha), tudo que vinha sendo construído no decorrer do filme, do trauma com a morte dos pais, com o nome da mãe aparecendo constantemente caí em cima do homem-morcego que fica sem saber o que fazer. Essa cena é linda pois em quase 80 anos de quadrinhos nunca houve em uma grande história algum vilão do Batman que usasse esse subterfúgio, o Batman passa 20 anos combatendo o crime, mas como homem-morcego e não como Bruce, então nunca antes em um combate alguém usou esse recurso, além disso essa cena para mim significa o nascimento da Liga da Justiça, pois é nesse momento que os personagens (Batman e Superman) percebem que são o mesmo, alguém que se preocupa com o próximo e tenta fazer de tudo para proteger, a partir desse momento não é mais o dia versus a noite, e sim, o dia e a noite num ciclo harmonioso e necessário para a raça humana.
Em contrapartida, a luta final pode ter deixado a desejar ainda mais sendo inspirada no quadrinho que foi, contudo tenho consciência que por serem mídias diferentes (quadrinho e cinema), seria muito difícil contemplar uma adaptação literal do quadrinho A Morte do Superman. Tirando o CGI que estava incomodando, achei a luta contra o Apocalipse descente, principalmente por mostrar a trindade (Batman, Mulher Maravilha e Superman) lutando juntos para deter o mal maior.
Por fim, Batman v Superman entrega muito mais do que os trailers sugerem, é um filme empolgante por vermos um novo Batman e situações novas como a origem da Liga. Ele é necessário para que haja mais filmes de super-heróis e que sejam diferentes dos que já são feitos. É certamente um bom e corajoso alvorecer para o Universo DC nos cinemas, resta agora aguardar, ainda esse ano, o Esquadrão Suicida e no ano que vem o filme da Mulher Maravilha e da Liga da Justiça.
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.