Tive a ideia e vontade de trazer ao SMUC indicações mensais de obras escritas por mulheres ao perceber, em uma lista de livros lidos no ano, que, instintivamente, estava lendo mais mulheres (assim como mais autores brasileiros/latino-americanos). Mas não só isso: estava conhecendo obras que fariam parte da minha vida para sempre. Agora, em seu terceiro mês, o Leia Mais Mulheres me trouxe a feliz constatação de que a literatura brasileira, mesmo contra a corrente de um contexto nada propício, está cada vez mais rica por causa destas escritoras. Aline Bei é uma delas.
A vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura de 2018 com o romance O Peso do Pássaro Morto (editora Nós) criou um dos livros mais elogiados no meio literário nos últimos tempos. E não à toa. A narrativa é uma prosa não convencional, com uma forma poética, desobediente, ritmada por suas frases em versos soltos, crus, diretos, mas com um conteúdo forte e pungente, capaz de transmitir toda a dor sentida pela narradora.
Com esta forma, o livro conta a história de uma mulher a partir dos seus 8 anos de idade, quando começa a conhecer as fatalidades e perdas da vida, as quais estão presentes de forma constante e inevitável até os seus 52 anos. No meio das perdas, as lembranças e saudades, os caminhos perpetuados por acontecimentos cruéis e a solidão, causada por variadas ausências – de amor, de companhia, de vontades, de planos não realizados, de apropriação do sentimento de maternidade. A personagem não nos é apresentada com um nome, ratificando a sua universalidade, ao trazer à tona as perdas muitas vezes geradas apenas pelo fato de ser mulher. Mas também nos traz alguns ganhos, em um breve momento de pertencimento aliado a um encontro inesperado.
Trata-se de uma obra pesada, como sugere o título, de leitura fluida, rápida e fácil, mas de difícil digestão, pela sinceridade no modo como retrata a vida, a qual é muitas vezes permeada por tantas mortes – mesmo que não as sejam no sentido literal. A morte de uma amizade, a morte de um plano, a morte de um amor, a morte de um lar. Só me resta dizer que Aline Bei, com toda a sua juventude, presenteia o leitor com uma história madura e potente, em uma opção estilística própria que em muito contribui com a experiência do começo ao fim.
Formada em direito pela UFC e em medicina pelo Grey’s Anatomy, Larissa é canceriana e dona de um gato maluvido chamado Jimmy. Adora Beatles, Amy Winehouse, viajar e acha o Artpop uma obra de arte. Nunca recusa um bom café e uma boa conversa sobre cinema, contanto que não tenha spoiler.