Que o sucesso de um filme depende de muitas variáveis, todos sabemos. Todavia, um desses fatores, não tão falado quanto os outros, é de saber o melhor momento para ser lançado. Acredito que Jogador Nº 1 (Ready Player One, 2018) é um desses projetos que soube escolher a hora certa de estrear e utilizar o ambiente mais do que propício a seu favor. Afinal, obras que trabalham com a nostalgia dos anos 80 e 90 estão em alta e fazendo sucesso, no cinema tivemos recentemente It: A Coisa (It, 2017) e fora da telona, via serviço de streaming, o fenômeno que foi o lançamento de Stranger Things (2016 -). Naturalmente um filme como esse, uma verdadeira ode às referências, faria bom proveito de um mercado e um público cada vez mais ávido pela tal cultura pop.
Dito isso, ninguém melhor que Steven Spielberg para dirigir um longa como esse, ele próprio uma peça fundamental nesse imaginário coletivo, moldado por muitos de seus filmes. Mesmo que o diretor não tivesse apresentando seu melhor em seus últimos trabalhos, como Ponte dos Espiões (Bridge of Spies, 2015), O Bom Gigante Amigo (The BFG, 2016) e o mais recente deles, The Post: Guerra Secreta (The Post, 2017). Aqui, por se tratar de um certo retorno às origens, criou-se uma boa dose de expectativa. Os fãs do diretor (e me incluo neste grupo nada pequeno) ansiavam para ver de novo um Spielberg que voltasse a acertar na mão.
E, felizmente, se tem uma coisa que se pode destacar de positivo em Jogador Nº1 é com certeza a maneira como Spielberg conseguiu guiar o filme com a energia e inventividade que tanto o definiu no começo de sua carreira, a decupagem é dinâmica, a câmera é presente, viva e muito fluída, de imersão instantânea. Vinda de um livro de mesmo nome, de Ernest Cline, a história se passa no ano de 2045, em uma distópica e escapista Columbus, Ohio. Wade Watts (Tye Sheridan) encontra a fuga de seus problemas no ambiente virtual do jogo OASIS. Dentro dessa realidade, a morte do criador do jogo, James Halliday (Mark Rylance), desencadeia numa busca pelos easter eggs escondidos por ele, esses segredos levam à três chaves, quem encontrar as chaves primeiro vira dono do tudo e de uma fortuna inestimável. E é incrível como o ritmo que se dá a essa adaptação é contagiante e envolvente, quase dá pra sentir Spielberg se divertindo no set, cercado de coisas que ele mesmo adora, em seu habitat natural.
É uma retomada dos anos 80 mesmo, em todos os sentidos, e isso nem sempre é uma coisa boa. Em certos momentos, a linguagem da cinematografia parece um pouco antiquada, acompanhando a própria narrativa, que é maniqueísta, clichê, quase caindo para o brega e, embora isso até possa ser encarado como uma característica dos anos 80 também, incomoda um pouco aqui e acaba não encaixando nada bem no cinema feito hoje.
Entretanto, a jornada é tão divertida que os defeitos são sensações pontuais. Você se pega tão cercado pela criação daquele universo e por tantas referências sonoras e visuais que nem mesmo o roteiro mastigado, com muitos diálogos expositivos, estraga sua experiência. E, por falar em referência, a aposta do filme é muito bem utilizada, um dos meus grandes temores é que as referências à cultura pop ficassem muito jogadas e fossem funcionar aqui apenas como isca para atrair os nerds de plantão, caçadores dos mínimos detalhes, mas não, as referências funcionam e tem um propósito dentro do jogo e da história. São muitas e para todos os gostos; Desenhos, games, música – aliás, que trilha sonora, algumas parecem ter sido compostas só para o filme! – E, claro, ao próprio cinema, rendendo sequências incríveis que ainda estão voltando à minha mente de vez em quando. Não tente pegar ou entender todos os segredos logo de cara na primeira vez que assistir porque esse é daqueles filmes de ver várias vezes e sempre encontrar uma coisinha a mais.
Em suma, Jogador Nº1 é diversão à moda antiga, às vezes mais antiga do que deveria, é verdade, mas que te prende com facilidade e, se você se permitir, realmente consegue afastar todos os problemas do mundo real por duas horas incríveis de um universo apaixonante que faz você entender completamente porque a sociedade de 2045 largou tudo e preferiu se render ao jogo.
Roteirista e podcaster bacharel em Cinema e Audiovisual. Ex-potterhead. Escuta música triste pra ficar feliz e se empolga quando fala de The Last of Us ou Adventure Time. É viciado em convencer as pessoas a assistirem One Piece, apreciador dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa e, acima de tudo, um Goonie genuíno.