Com Carinho, Kitty: 2ª Temporada – Esperando desenvolvimento e recebendo tramas repetidas e sáficas jogadas pra fora da narrativa

Lá em 2023 foi lançado o spin off da série de filmes baseados nas obras literárias de Jenny HanPara Todos os Garotos -, Com Carinho, Kitty (XO, Kitty, 2023 -). Protagonizada pela irmã da protagonista dos filmes, Kitty Song Covey (interpretada desde 2018 por Anna Cathcart), o seriado se passa em Seul, na Coréia, onde a personagem viajou para estudar na KISS (Korean Independent School of Seoul) e estar próxima de seu namorado, Dae (Choi Min-young). Em sua primeira temporada, a personagem enfrenta certos dramas relacionados ao seus sentimentos, sua relação, descobertas sobre si e também conhece mais da história de sua falecida mãe, que também estudou na KISS. 

Ao longo da temporada, Kitty acredita que Dae está namorando uma garota popular e filha da diretora da KISS, Yuri Han (Gia Kim), que, por acaso, tem seus próprios problemas com sua mãe – Ji-Na Lim (Choi Min-young). A questão é: as mães de Kitty e Yuri foram amigas durante sua época na escola e a busca de compreender mais suas histórias faz com que as meninas, tidas como rivais na cabeça de Kitty, se aproximem. O “namoro” de Dae e Yuri sempre foi falso, uma tentativa de agradar a sua mãe, que havia não só descoberto que Yuri era lésbica, mas também mandado a namorada de Yuri, Juliana (Regan Aliya),  para longe. Antes de descobrir os motivos por trás da relação de Dae e Yuri, Kitty descobriu algo sobre si mesma, os seus sentimentos por Yuri Han. 

Seu segundo ano (chegando ao público dois anos depois e com apenas oito episódios, dois a menos em relação à temporada anterior) retoma a história de Kitty e sua jornada para conhecer mais sobre sua falecida mãe e seu tempo em Seul. Logo no início temos a continuação direta do final da temporada anterior, onde Yuri evita que sua mãe expulsasse Kitty da KISS – por isso a nossa protagonista tem a chance de retornar nesta temporada. Kitty está em busca de encontrar Simon (alguém mencionado por sua mãe em uma das cartas para Ji-Na), tentar ser uma melhor aluna e não se meter em drama. Para este último objetivo, Kitty toma medidas para superar Yuri com base nos conselhos de sua irmã, que consiste em escrever uma carta de despedida explicando sobre os seus sentimentos. Nada poderia dar errado a partir daí, não é?

Para além de seus sentimentos por Yuri, ao final da primeira temporada Kitty recebe uma declaração de Min Ho (Sang Heon Lee), um playboy cujos sentimentos por Kitty surgiram a partir de um inicial desgosto. A dinâmica de implicância dos dois era, de fato, algo interessante de se assistir na primeira temporada, e mesmo após Min Ho descobrir seus sentimentos pela garota a promessa de um eventual triângulo amoroso tinha potencial. Além de tudo, Kitty era namorada e agora ex do melhor amigo de infância de Min Ho e isso complicaria ainda mais as coisas. Apesar de não considerar triângulos amorosos uma narrativa particularmente interessante, a dinâmica com Kitty e estes dois personagens era, de fato, algo instigante de se ver. Com a revelação de Min Ho e o possível despertar dos sentimentos de Yuri, mesmo namorando, a segunda temporada teria muito drama e uma boa história, seguindo os passos da primeira.

Uma das partes mais envolventes da primeira temporada foi a dinâmica entre todos os personagens, não apenas os interesses amorosos, mas também como uma família. Uma família meio ligada por saliva e sentimentos românticos, mas uma família. Ainda que, pensando bem, fora Q (Anthony Keyvan), todos os personagens tem alguma ligação romântica direta ou indireta, algo muito comum na maioria das séries adolescentes, especialmente as da velha guarda como Gossip Girl (2007 – 2012) (o original, não o reboot morto em meio a sua melhora) e Pretty Little Liars (2010 – 2017) (mais uma vez, o original, não o que criativamente misturava drama adolescente com terror slasher, com sua trajetória encerrada muito cedo). O interessante aqui é como os personagens jovens não são ligados romanticamente apenas de forma heterossexual. Afinal, até agora, temos: Kitty é ex de Dae, que é melhor amigo de Min Ho (e de Q), mas Min Ho está à fim de Kitty, que está à fim de Yuri, que é ex falsa de Dae e atual de Juliana. Imagina colocar mais gente nessa forma geométrica amorosa bem mais complicada do que um triângulo… pois fizeram isso. 

Tivemos novas adições ao enredo nessa nova temporada, seja de personagens novos ou então maior desenvolvimento de personagens apresentados anteriormente. Enquanto isso, alguns personagens foram totalmente irrelevantes, apesar de sua grande importância durante a primeira temporada. Por um lado, alguns enredos se encerram e está tudo bem não arrastar o protagonismo de personagens cujo enredo cumpriu seu caminho por completo. Das novas adições temos o pai de Min Ho, Young Moon – interpretado por Philippe Lee, aprofundando os dramas familiares do personagem e garantindo também outro lado do mesmo. A temporada toda é apoiada na família de Min Ho, com uma pegada mais de mistério e thriller, diferente do drama apresentado nas histórias familiares de Yuri e Kitty na primeira. Obviamente o seriado optou por desenvolver o outro lado do triângulo amoroso nessa temporada, por isso o foco na família de Min Ho e sua aproximação com a protagonista. 

Uma das falhas na construção do outro lado do triângulo amoroso é exatamente uma falha extremamente comum falando de triângulos amorosos: sacrificar o desenvolvimento de um dos lados para tornar o outro mais atraente para a narrativa. Todo o carinho e cuidado da amizade de Yuri e Kitty da primeira temporada não existe para além da metade dessa nova. Inclusive, após a eventual revelação da carta, não houve a menor conversa das duas sobre os sentimentos revelados de Kitty para com sua amiga. Provavelmente deixaram os sentimentos de Yuri Han para lidar em uma possível terceira temporada, mas foi feito de forma bem preguiçosa e descuidada. Além do mais, Kitty tem uma facilidade muito grande em superar e esquecer seus sentimentos por Yuri e se apaixonar por Min Ho em um breve espaço de episódios. O enredo envolvendo o casal foco da temporada – Kitty e Min Ho – envolve também uma personagem nova, Stella Cho (Audrey Huynh) e isso permite aprofundar em certos pontos importantes e dá a chance da atriz brilhar e se destacar (isso mais pros últimos episódios, quando a personagem se torna interessante). 

Mais personagens foram apresentados, como Jin Lee (Joshua Lee), Praveena Bhakti (Sasha Bhasin) e Eunice Kang (Ryu Han-bi), respectivamente os interesses amorosos de Q, Kitty e Dae. Apesar de ser um dos interesses amorosos da protagonista, a personagem de Sasha Bhasin é a de menor relevância, tempo de tela e desenvolvimento ao longo da temporada dos citados (e acredito, no geral, no elenco mais jovem). Uma nova adição ao enredo é a personagem Juliana (Regan Aliyah), namorada de Yuri, nessa temporada presente do começo ao fim, mesmo que sua história pare de ser relevante para quem estava escrevendo o roteiro. Inclusive, as cenas da mesma sem a sua namorada são pouquíssimas, a narrativa deixa de aproveitar uma possível amizade dela com Kitty por uma inimiga em comum e também sua relação de amizade com Q fica extremamente superficial. Todo o desenvolvimento da personagem e suas relações a partir da metade da temporada acontecem fora de cena ou por breves inserts.

Importante mencionar sobre o fato de a série ter quatro personagem sáficas (mulheres que amam e se relacionam com outras mulheres), sendo que duas delas pararam de ter sequer tempo de tela e interações relevantes a partir do meio da temporada. Não coincidentemente, estas duas personagens foram as interpretadas por atrizes de pele escura. Para além disso, o desenvolvimento da personagem lésbica interpretada por Gia Kim deu alguns passsos para trás e, mesmo se isso foi feito pensando um novo arco para a terceira temporada, a temporada até o momento não foi oficializada. Partindo de um ponto de vista lógico, histórias envolvendo sáficas constantemente são subalternizadas em comparação a histórias duáricas (relacionamento entre pessoas de gêneros diferentes) ou histórias aquileanas (relacionamentos entre homens ou à atração entre pessoas de gênero masculino). Nos últimos anos inúmeros seriados com foco em relações sáficas foram cancelados após uma só temporada, grande parte deles inclusive pela Netflix.

As duas temporadas de Com Carinho, Kitty estão disponíveis na Netflix e é de se esperar uma renovação, para concluir a história. Mas a segunda temporada parece ter sofrido muito no quesito roteiro e desenvolvimento dos personagens, deixando de lado as partes mais cativantes das histórias e dos personagens na primeira. Independente de Kitty terminar com Min Ho ou com Yuri, ambos merecem um desenvolvimento decente e fidelidade aos personagens apresentados na primeira temporada – algo não muito presente aqui.


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