O Corvo – Ultrapassa barreiras de vida e morte, mas não alcança o público

O Corvo. Imagem: Filmation Entertainment/ Divulgação

Exatamente 30 anos após o lançamento do clássico estrelado por Brandon Lee, O Corvo (The Crow, 2024), história contada nos quadrinhos de James O’Barr, é adaptada mais uma vez para o cinema em um remake controverso. Rupert Sanders, de Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Huntsman, 2012), assume a direção da história épica de Eric Draven e sua alma gêmea, Shelly Webster, desta vez interpretados por Bill Skarsgård e FKA twigs, respectivamente. Em uma noite, eles são brutalmente assassinados e Eric, preso no limbo entre os vivos e os mortos, assume a identidade de Corvo para ir atrás de vingança pela morte de Shelly.

O remake, que estreia dia 22 de Agosto, toma decisões bastante questionáveis em relação a história contada na obra de James e no seu antecessor lançado em 1994. Ainda que haja interesse em trazer mais modernidade para a história, ele tenta emular um ar saudosista, falhando em estabelecer uma atmosfera temporal coerente. O visual gótico, monocromático e charmoso de Eric em 94, que casaria bem com Bill Skarsgård, não apenas esteticamente como no estilo de atuação dele, é substituído por uma réplica do pavoroso Coringa do Jared Leto.

O Corvo. Imagem: Filmation Entertainment/ Divulgação

Esforço dos atores não consegue salvar O Corvo

Assim como no remake de It, A Coisa (It, 2017), Bill tira leite de pedra e consegue agregar alguma profundidade para seu personagem. Especialmente ao transitar com versatilidade entre todas as mudanças que seu personagem passa.

FKA Twigs faz sua estreia no cinema e, assim como seu parceiro de tela, também entrega com esforço algumas aparições marcantes a partir de um material bastante redutivo. Tendo a estética como um ponto forte, ela participou ativamente da construção do figurino de Shelly e o resultado é tão satisfatório que contrasta com os demais. Shelly tem um background que permite a construção de uma mulher forte, vulnerável e complexa. Mas a maior tragédia que ela enfrenta não é sua morte e sim as constantes tentativas de Rupert transformá-la em uma “Manic Pixie Dream Girl”. 

O Corvo. Imagem: Filmation Entertainment/ Divulgação

Ator memorável, vilão esquecível

Danny Huston, de Sombras de Um Crime (Marlowe, 2022), encarna o magnata Vincent Roeg. Um vilão que parte de um clichê bastante desgastado do homem que ignora qualquer ética ou moral para manter seu império de pé. Ainda que tenha como pilar esse estereótipo, seu personagem tem momentos marcantes e entrega, ao lado de Bill, um dos melhores momentos de atuação do filme. Laura Birn,  de Pearls and Pigs (Helmiä ja sikoja, 2003) interpreta Marian, braço direito de Vincent, com tamanha maestria que consegue se destacar com seu pouco tempo de tela. Há uma sutileza na atuação de Laura que nos faz perceber uma pequena rachadura na dureza de gesso da personagem. 

A dramaticidade da trilha sonora é assinada por Volker Bertelmann, de Nada de Novo no Front (Im Westen nichts Neues, 2022). Em conjunto com clássicos do Dark Wave, Post Punk e New Wave, ela traz bastante dimensão para a estética rasa do filme. Quase evocando a aura fantasiosa e envolvente da adaptação clássica dirigida por Alex Proyas.

O Corvo. Imagem: Filmation Entertainment/ Divulgação

Sem Alma

Apesar do elenco forte e do material riquíssimo, O Corvo falha em inovar e cativar em muitos aspectos. O roteiro desordenado de Zach Baylin e William Schneider que falha em entregar a intensidade do laço afetivo dos protagonistas. Insere diálogos irresponsáveis que em alguns momentos beiram a romantização do suicídio. Já a fotografia de Steve Annis soa bastante monótona em comparação a odisseia rebelde de Dariusz Wolski em 94. Mas é possível traçar paralelos entre esses pontos falhos e a direção de Rupert Sanders. 

Assim como fez com A Vigilante do Amanhã – Ghost in the Shell (Ghost in The Shell, 2017), Rupert apela para uma grandiosidade de blockbuster. Enquanto isso, negligencia os detalhes que dão devida dimensão aos grandes efeitos visuais. No caso de “O Corvo”, essa falta de alma que vem se tornando marcante na direção de Sanders se torna muito mais evidente. Isso, por se tratar de uma história que gira em torno de um amor visceral. Tão viceral que dá para Eric imortalidade para vingar a morte de sua amada. Como podemos comprar toda a jornada do protagonista quando sequer conseguimos sentir a profundidade deste amor que é o combustível que o move?


VEJA TAMBÉM

Alien: Romulus – Um frescor para a franquia

Entrevista Com o Demônio – Boas ideias, má execução