A segunda temporada de Bom Dia, Verônica (2020 – 2024) se passa dois anos depois do violento final de Brandão (Eduardo Moscovis) e Janete (Camila Morgado). Nesse momento, Verônica (Tainá Müller) utiliza a identidade da vítima que não conseguiu salvar, enquanto todos pensam que ela morreu num terrível incêndio. A ex-escrivã continua tentando conectar todo aquele emaranhado que tinha como ponta o policial. Toda a conspiração dessa tal máfia leva a Casa dos Santos, um tipo de instituição de caridade que acolhia órfãos e era apoiada por um indivíduo quase santificado que construiu um santuário para si e era alimentado da fé dos mais vulneráveis. E bem, essa temporada tinha como função igualar ou superar a anterior, que grudou os espectadores na tela com seus dramas, cenas de ação e claro, o impecável trabalho de Camila Morgado como vítima e esposa do personagem de Eduardo Moscovis.
A série traz agora para o enredo um religioso milagreiro, Matias (Reynaldo Gianecchini), que carrega em si não apenas o dom da cura, mas também de liderança, com uma maré de pessoas que os seguem sem questionar nenhuma de suas ações. Ele também possui uma família, que de certa forma reforça essa ideia de um exemplo a ser seguido, composta de sua esposa Gisele (Camila Márdila) e sua filha Ângela (Klara Castanho) que possuem grande submissão ao ídolo religioso.
A partir disso, o enredo fica muito mais interessante, não é possível desassociar das polêmicas envolvendo, na vida real, um outro dito milagreiro acusado de assédio sexual e estupro de várias mulheres. entretanto deixamos de lado a arte entrelaçada à realidade e sigamos com a história. Nesse momento Verônica começa a investigar o envolvimento que Matias e a Casa dos Santos, que teria com Brandão e a instituição Cosme e Damião, já que, de certa forma, tudo parecia estar conectado a esses dois.
Deixo em destaque a sutileza demonstrada principalmente pelos personagens de Gisele e Ângela: Camila Márdila trouxe em sua personagem o silenciamento de uma vítima como também os desdobramentos e consequências que uma pessoa tão submissa pode agir, uma mulher totalmente presa a um relacionamento sem qualquer estrutura ou apoio que não consegue se livrar ou menos considerar viver sem o seu marido ao mesmo tempo que tenta proteger sua filha daquilo que nem sabe exatamente o que é. Camila traz a sua personagem toda dor e todas as cicatrizes que uma vítima desde sua infância pode carregar e também mostra como muitas vezes nós precisamos chegar mais próximos de uma família para entender os seus verdadeiros problemas.
Já a atriz Klara Castanho está perfeita nesse personagem, numa ideia de desvendar quem é o seu pai e compreender melhor o mundo onde tenta se encontrar, a jovem, presa a toda essa ideia de pai curandeiro e quase santificado, uma mãe extremamente protetora e ao mesmo tempo que parece estar o tempo todo tentando lhe afastar de seu pai, talvez em algum tipo de competição pelo amor deste homem.
Assim como na primeira temporada, Bom dia, Verônica opta por deixar a parte dramática e tensões maiores a um núcleo familiar, nesse caso sendo a família de Matias e isso é muito bem realizado, pois para aqueles que assistiram a primeira vez e não sentiram isso recomendo um retorno a essa temporada em específico pois a partir da segunda vez em que assisti percebi sutileza nesse arco específico que trouxe para mim uma maior profundidade à série. A relação engessada e um tanto quanto desconfortável para todos os envolvidos exceto, é claro, Matias, traz um vislumbre do que se desencadeará nos próximos episódios.
Deixando claro que a escolha de reduzir a quantidade de episódios provavelmente deveria ser preciso pois nesse tipo de gênero de história o aspecto de enrolar com fillers ou histórias que não fazem tanta conexão com a principal acaba por fazer com que o espectador perca o interesse e Bom dia, Verônica parece ter todo o enredo necessário para te obrigar a ficar sentado no sofá por pelo menos um fim de semana. Por conta disso a redução de episódios de oito para seis nos demonstra que não haverá muito espaço para histórias para além do que realmente importa.
Mesmo assim foi possível mostrar o retorno de Verônica para sua família, o que serviu apenas como comparativo a família de Matias, e acabou sendo um arco que se perdeu. Talvez fosse para mostrar que ainda existia raízes em que a ex-escrivã pudesse voltar, mas isso foi totalmente ignorado dentro do próprio roteiro.
Mesmo assim, esse arco religioso que mistura toda corrupção do sistema junto a toda crueldade que o ser humano pode realizar tendo dinheiro e a fé dos mais vulneráveis, segurou muito bem por todos esses episódios. Sinceramente, Reinaldo Gianecchini se tornou um dos meus vilões favoritos, fazendo com que eu me arrepiasse em muitas cenas sem saber exatamente o que aquele homem grisalho seria capaz de fazer, seria uma próxima vítima ou uma próxima cura, ele salvaria alguém ou ele condenaria alguém. Não era possível saber e isso para mim era a melhor parte. Assim como toda a batalha para fazer com que Ângela e Gisele conseguissem sair de todo esse ciclo abusivo em que estavam.
Todavia, para além do fato da série carregar o nome da Verônica eu senti que nessa temporada ela foi em muitos momentos deixada de lado, chegando ao ponto de que eu possa ter esquecido que essa série era sobre ela. entendo que muitas histórias escolhem por deixar o seu narrador um pouco de lado principalmente em histórias de gênero policial, assim como por exemplo foi feito com o Watson e Sherlock, quando o médico era sempre deixado de lado até os momentos das grandes revelações, isso é uma escolha de roteiro um tanto quanto clichê, mas costuma funcionar. O trabalho da Verônica em muitos momentos era extremamente conveniente e muitas vezes chegava apenas para desmontar todo quebra-cabeça que o resto dos personagens estava tentando construir.
Mesmo assim, não acredito que essa série caiu muito em sua qualidade e aguardo ansiosamente para a terceira e -espero – última temporada. assim como espero o maior desenrolar de toda essa trama que a cada episódio parece se embaralhar cada vez mais.
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Estudante de Letras, ainda fingindo ser escritor, mesmo nunca lançando nada. Um paulista perdido pelo nordeste e obcecado por bolinho de chuva. Apaixonado por Duro de matar e filmes de heróis, evito musicais e romances clichês.